Conhecido como o "papa" da gastronomia francesa, personificada por ele durante décadas no mundo inteiro, o estrelado chef Paul Bocuse morreu aos 91 anos. A informação foi divulgada no Twitter pelo ministro francês do Interior e ex-prefeito de Lyon, Gérard Collomb.
"Paul Bocuse morreu, a Gastronomia está de luto. O senhor Paul era a França. Simplicidade e generosidade. (...) papa da gastronomia nos deixa", tuitou Collomb.
Bocuse morreu em seu conhecido restaurante de Collonges-au-Mont-d'Or, vilarejo perto de Lyon, na região centro-leste do país. Há anos, o chef com três estrelas no Michelin sofria de Parkinson.
Sua mulher, Raymonde Bocuse, sua filha Françoise e o filho Paul, este último fruto de uma segunda relação, manifestaram seu "imenso pesar".
"Nosso 'capitão' faleceu neste 20 de janeiro às 10h (horário local), no alvorecer de seus 91 anos. Era mais do que um pai e um esposo: um homem de coração, um guia espiritual, uma figura emblemática da gastronomia mundial e um portador da bandeira francesa", disseram em uma nota.
Segundo uma fonte próxima à família, Bocuse morreu durante sua sesta matinal no albergue onde fica seu restaurante de Collonges. Nada levaria, aliás, a suspeitar da triste notícia neste sábado, com os funcionários mantendo o sorriso e o atendimento característicos.
"Hoje, a gastronomia francesa perde uma figura mítica, que a transformou profundamente. Os chefs choram em suas cozinhas no Eliseu, em toda França. Mas seguirão com seu trabalho", lamentou o presidente Emmanuel Macron, em um comunicado.
O encarregado do conhecido guia Gault & Millau, Côme de Chérisey, lembrou o "grande homem, mas, sobretudo, quem – junto com Henri Gault e Christian Millau – lançou a 'nouvelle cuisine'. Esteve na origem desse 'big bang' que se produziu na gastronomia francesa e mundial".
Esse termo foi adotado nos anos 1970 para definir uma gastronomia mais leve, que rompia com os cânones da cozinha francesa.
"É um monumento da cozinha, alguém que valorizou essa profissão", reagiu Régis Marcon, chef francês com três estrelas e agraciado com o Bocuse d'Or em 1995, um concurso internacional de cozinha criado pelo chef em 1987 e que distingue os mais jovens na carreira.
Deixou "uma marca monumental, gigante, na gastronomia mundial", reagiu o peruano Virgilio Martínez, chef de El Central de Lima, o melhor restaurante da América Latina e o quinto melhor do mundo, segundo a lista britânica "50 Best".
José Andrés, chef espanhol radicado em Washington, onde se tornou uma referência gastronômica com uma dezena de restaurantes, assegurou: "os anjos hoje se regozijarão. Paul Bocuse uniu-se a eles. Uma influência incrível sobre tantos chefs r tanta gente".
Trajetória estrelada
Paul Bocuse nasceu em Collonges-au-Mont-d'Or, em 11 de fevereiro de 1926, em uma família de chefs, e começou a aprender o ofício aos 16 anos. Teve como mentores Eugénie Brazier, primeira mulher a receber três estrelas em 1933 e quem lhe inculcou o rigor; e Fernand Point, no início dos anos 1950.
Seu estabelecimento Auberge de Collonges no Mont D'Or conseguiu as três estrelas Michelin em 1965 e nunca perdeu uma sequer. A primeira veio em 1958, e a segunda, dois anos mais tarde, quando transformou o imóvel da família, que se tornaria um templo da gastronomia da França. Cinco anos mais tarde, obteve sua terceira estrela, consagrando sua ascensão meteórica.
Artífice de um império avaliado em mais de 50 milhões de euros, Bocuse também foi o chef com três estrelas Michelin de mais antiguidade na posição, sem interrupção.
Isso não impediu alguns críticos de afirmarem que seu restaurante não estava mais à altura da honraria. Alguns guias já o classificavam na categoria de instituição, sem pontuações.
Chef do século
"Monsieur Paul", como era chamado, definia-se como "um adepto da cozinha tradicional".
"Sim, certamente minha cozinha é antiquada", admitia esse bon-vivant, que se deliciava com "pratos simples".
Nomeado "chef do século" pelo guia Gault-Millau, rival do Michelin, em 1989, e, mais uma vez, em 2011, pelo prestigioso The Culinary Institute of America, Bocuse abriu novos horizontes para a gastronomia francesa, associada para sempre a seu nome e a sua marca.
Trabalhador incansável, tornou-se o primeiro chef a deixar seus fogões para se instalar no Japão, no Brasil e nos Estados Unidos, inspirando outros chefs que viram nele um "guia espiritual".
"Trabalho como se fosse viver 100 anos e saboreio a vida como se cada dia fosse o último", dizia esse sedutor.
A vida intensa era celebrada nas relações amorosas. Desde 1946 casado com Raymonde, com quem teve uma filha, por mais de 60 anos Bocuse também compartilhou sua vida com Raymone, mãe de seu filho Jérôme, e, durante mais de 40, com Patricia.
"As mulheres me encantam, e vivemos muito tempo hoje para passar a vida inteira com uma só", disse em 2005 ao jornal britânico "The Daily Telegraph".
* AFP