A diplomacia brasileira está passando às mãos de um dos mais controversos políticos brasileiros: Aloysio Nunes Ferreira. Exagero? À direita, o rejeitam por ter sido parceiro de Carlos Marighella na guerrilha contra a ditadura. À esquerda, o repúdio se deve ao perfil tucano, com o requinte de ter sido candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves (PSDB) em 2014.
Em meio a tudo isso, há quem recrimine o senador paulista de 71 anos, líder do governo de Michel Temer no Senado, por ser investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquérito derivado da Operação Lava-Jato – aparece em delações como favorecido indevidamente em financiamentos, o que ele nega. Portanto, não é demasiado defini-lo como exemplo de controvérsia, sem falar que esteve na linha de frente do impeachment de outra ex-guerrilheira, a ex-presidente Dilma Rousseff.
O jornalista Mário Magalhães, autor do livro Marighella – o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo (Companhia das Letras), comenta, a respeito da reação demonstrada pela direita que rejeita Aloysio.
– Nunca o passado guerrilheiro de Aloysio Nunes Ferreira pareceu incomodar tantas viúvas da ditadura como em 2017 – diz.
– A grita não foi assim na década de 1990, quando Aloysio foi o vice de Luiz Antônio Fleury no governo de São Paulo. Nem no princípio do século 21, ao ser ministro da Justiça nos estertores da administração Fernando Henrique Cardoso. E olha que antes as cicatrizes dos tempos da ditadura estavam mais inflamadas do que hoje. O que mudou, ao menos na aparência, foi o ambiente político.
Para Magalhães, "agora, uma turba rejuvenescida de extrema direita se inspira em veteranos nazistoides da ditadura e se une a eles para patrulhar, atacar e destruir tudo que lhes pareça diferente".
Pelas redes sociais, são fartos os comentários de que a diplomacia brasileira será tomada, como ironiza Magalhães, "por um comunista, guerrilheiro e terrorista alucinado". Até a imprensa dos EUA andou lembrando que Aloyzio criticou o novo presidente Donald Trump logo após ter sido eleito.
Mas há, literalmente, o outro lado. As críticas da esquerda são históricas – fustigam-no por ter deixado a atuação socialista e aderido ao campo conservador – e também são políticas em razão da atual militância tucana.
No impeachment, viajou para explicar situação
Antes de assumir o codinome Mateus e aderir à Ação Libertadora Nacional (ALN) de Marighella, participando do assalto ao trem pagador Santos-Jundiaí e do roubo de um carro pagador da Massey Ferguson em 1968, Aloysio integrou o Partido Comunista Brasileiro (PCB), contrário à luta armada, e, como estudante, militou desde 1963 na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Aloysio se exilou na França em 1968 a pedido de Marighella, morto em 1969. Atuou como representante da ALN em Paris, onde acolhia refugiados brasileiros, entre outras tarefas estratégicas. Filiou-se ao Partido Comunista francês, reingressou no PCB e, com o fim da ditadura, voltou ao Brasil em 1979, entrou no PMDB, partido de onde derivou o PSDB, ninho tucano no qual renasceu para a política na redemocratização. No PSDB, começou como um dos pilares da social-democracia preconizada originariamente pelo partido, mas depois enveredou pelo seu setor mais conservador.
Magalhães conta que Aloysio esteve em homenagens a Marighella e fez uma releitura da guerrilha, que hoje define como um erro. Mas jamais verbalizou arrependimento. À revista Época, afirmou:
– Esse período tem sido superestimado. Não foi decisivo para a derrota do regime militar. Longe disso, até forneceu pretexto para o recrudescimento da repressão. Eu não diria que tenho orgulho, mas sempre agi conforme as coisas que considero corretas. Foi o que fiz naquela época. A experiência mostrou que eu estava errado, não só pelo fracasso daquela forma de luta, como também porque ela não foi travada a partir de uma perspectiva democrática.
No momento em que assume a chefia da política externa brasileira, fiel ao estilo militante e após passar por diversos cargos executivos e legislativos, ele se diz preparado para seguir à risca as "diretrizes permanentes" do governo.
A experiência na diplomacia foi moldada na recente presidência da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Enquanto o impeachment era processado, Aloysio atuava como representante da previsível nova administração de Temer em contatos com governos e políticos estrangeiros. Era emissário para explicar que não havia um golpe no Brasil. Como seu antecessor José Serra (que renunciou alegando problemas de saúde), o novo chanceler faz ferrenha oposição aos governos bolivarianos e defende a linha pragmática, de olho no alinhamento do Mercosul com a Aliança do Pacífico (México, Peru, Colômbia e Chile), de perfil econômico liberal, e no arrastado acordo com a União Europeia (UE).
Um homem de pavio curto e posições fortes
- Em maio de 2014, no Senado, reagiu com agressividade ao blogueiro Rodrigo Grassi, que lhe perguntou sobre suposto envolvimento com corrupção e formação de cartel nas obras do metrô de São Paulo.
- Em março de 2015, disse ser contra o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Afirmou que preferia ver a petista "sangrar" nos próximos quatro anos, quando encerraria o segundo mandato.
- Confirmada a vitória do americano Donald Trump em novembro, classificou o novo presidente dos EUA, no Twitter, como "o que há de pior, de mais incontrolado, de mais exacerbado entre os integrantes de seu partido".