Por Nicholas Kristof
Sempre que um extremista no mundo muçulmano faz uma loucura, as pessoas exigem que os moderados se pronunciem condenando o extremismo. Então, vamos seguir nosso próprio conselho: os americanos agora devem condenar nosso próprio extremista.
Nesse espírito, peço desculpas aqui aos muçulmanos. A estupidez e a crueldade da proibição de viagem deve humilhar a nós, e não a vocês. Entendam isto: o presidente Donald Trump não é os EUA!
Peço desculpas a Nadia Murad, a corajosa jovem yazidi no Iraque que foi transformada em escrava sexual – mas, desde que fugiu, faz campanha em todo o mundo contra o Estado Islâmico e a escravidão sexual. Ela foi indicada ao Nobel da Paz, porém agora foi barrada nos Estados Unidos.
Peço desculpas a Edna Adan, somali heroica que luta há décadas pela saúde das mulheres e que liderou a batalha contra a mutilação genital feminina. Edna dá palestras em universidades dos Estados Unidos, defende a educação das meninas e desafia os extremistas – e me inspira a fazer o mesmo.
Não quero levar a ideia de que Trump é um extremista longe demais: ele não corta cabeças, e o desafio de segurança é real. Ninguém vê o excesso de zelo como um problema, e ambos os presidentes George W. Bush e Barack Obama impuseram melhorias aos vetos. No entanto, ele abordou a questão de uma forma que reforça a narrativa do Estado Islâmico e, portanto, nos torna menos seguros.
Com efeito, Trump pegou um problema verdadeiro, ampliou-o com histeria, conduziu-o com incompetência e criou uma política injusta que tem como alvo sete países muçulmanos, praticamente todos empobrecidos, que ainda não produziram uma única pessoa envolvida em um atentado letal terrorista nos EUA desde antes dos ataques de 11 de setembro de 2001. A islamofobia invadiu a ordem e Rudy Giuliani, prestativo, explicou que Trump lhe pediu para pensar em uma maneira de criar uma proibição aos muçulmanos "de modo legal".
Há uma certa simetria aqui.
Já visitei mesquitas no Paquistão, no Afeganistão e no Iêmen e ouvi jihadistas justificarem a intolerância. Esses homens (sempre os homens!) veem os infiéis como "os outros", fundamentalmente diferentes, como ameaças que devem ser enfrentadas; é assim que Trump encara os muçulmanos.
Seu conselheiro de segurança nacional, Mike Flynn, referiu-se ao Islã como um "câncer" e compartilhou um vídeo afirmando que os islâmicos querem "escravizar ou exterminar 80 por cento da humanidade". Essa é a imagem espelhada da intolerância que ouvi de jihadistas que me disseram que os judeus estavam por trás dos ataques de 2001.
O abismo real não é entre os muçulmanos e os outros, mas entre os moderados e os extremistas de qualquer religião.
Uma pesquisa da Reuters mostrou que muitos americanos aprovam a proibição de viagem de Trump, mas isso não é surpresa. O mesmo aconteceu no bloqueio de refugiados judeus na década de 1930 e no confinamento de nipo-americanos, em 1942. Quando estamos com medo, somos vulneráveis aos políticos que jogam com isso e que transformam imigrantes em bode expiatório; com o passar do tempo, acabaremos lamentando nosso comportamento xenófobo e apreciando os imigrantes.
Então, peço desculpas aos muçulmanos. Já vi o pior do Islã, mas também o melhor.
Entre os professores recém-escolhidos da Rhodes está um refugiado somali, Ahmed Ahmed, que nasceu em um campo de refugiados do Quênia e chegou aos EUA como um ano de idade. Criado por sua mãe solteira, às vezes chegando à escola às cinco da manhã para estudar, ele frequentou a Cornell e ganhou um prêmio de aluno excepcional da universidade. Essas pessoas não nos ameaçam; elas nos enriquecem.
Caso precisemos de um exemplo inspirador de como os moderados podem, com êxito, desafiar os extremistas, há o de uma extraordinária ginecologista somali, a doutora Hawa Abdi, que dirigia um centro para desabrigados na Somália, incluindo um hospital de 400 leitos (e uma prisão para os homens que batessem em suas esposas). Militantes islâmicos, enfurecidos com o fato de uma mulher ser responsável por algo tão importante, exigiram que ela lhes entregasse o centro. Quando se recusou, 750 militantes armados do Partido do Islã atacaram o acampamento e determinaram que Abdi o administrasse sob as ordens do grupo. Ela se recusou.
Mesmo assim, o acampamento de Abdi, que atende a 90 mil pessoas, era praticamente a única coisa que funcionava corretamente na Somália, e somalis no país e em todo o mundo se uniram para denunciar os militantes e falar por ela. A pressão contra os invasores cresceu. Por fim, eles se retiraram.
Se os somalis podem enfrentar os extremistas, nós também podemos.
Na verdade, isso já está acontecendo. Quando os nipo-americanos foram confinados, outros americanos ficaram em silêncio. Hoje, é reconfortante ver americanos de todos os credos se posicionando contra o fanatismo semelhante. Em Victoria, Texas, depois que um incêndio misterioso destruiu a única mesquita da cidade, horas após Trump anunciar a proibição de viagens, os líderes judeus locais deram aos muçulmanos a chave de sua sinagoga. Quatro igrejas também ofereceram seu espaço pelo tempo que fosse necessário e, em poucos dias, pessoas de todas as fés contribuíram com US$ 1 milhão para construir um novo templo.
Em um protesto no aeroporto, uma foto muito compartilhada mostra um judeu e um muçulmano protestando lado a lado, cada um com uma criança nos ombros.
Sonho com o dia em que judeus protestem contra a islamofobia, muçulmanos denunciem a perseguição de cristãos e cristãos se posicionem contra o antissemitismo. É por isso que peço desculpas aos muçulmanos, e é por isso que todos nós – não apenas os muçulmanos – devemos condenar o extremismo em nosso meio.