À medida que Jesse Siozon esperava pelo início do funeral de seu avô, sob as lonas azuis e amarelas que servem de telhado para a igreja de Santo Niño Church, que foi danificada pela tempestade, ele falou da dupla perda que sofreu.
Seu avô pode ter sido a última pessoa nessa cidade devastada a morrer em consequência dos ferimentos e das doenças causadas pelo tufão Haiyan. E agora, Siozon, um enfermeiro de 30 anos, está sendo forçado a deixar Tacloban, a cidade de sua família há quatro gerações, porque as iniciativas de reconstrução da cidade pararam e os empregos desapareceram para trabalhadores com boa formação como ele.
- Eu gostaria de poder trabalhar aqui. Eu nem tenho um lugar para viver por aqui - afirmou, enquanto um raio de sol atravessava uma fresta na janela de vidro temperado doada por seu avô.
Quase três meses depois que os ventos mais fortes já registrados trouxeram para o litoral um paredão d'água de até 7,6 metros de altura, essa cidade universitária e capital de província que já foi super movimentada agora mostra poucos sinais de recuperação econômica, apesar da iniciativa de ajuda internacional. À noite a escuridão recai sobre a cidade e as poucas casas temporárias construídas pelo governo foram consideradas apertadas demais para a habitação humana.
A cidade foi pega por uma espiral de miséria que será difícil de interromper, especialmente em vista do tamanho da catástrofe que matou ao menos 6 mil pessoas e foi o desastre natural mais mortal do mundo no ano passado.
Sem eletricidade e outros serviços básicos, as empresas têm dificuldades para se recuperar. E sem comércio, a cidade continua a perder dinheiro - e mão de obra.
A confusão contínua deixou a cidade, que antes tinha ambições de se tornar um novo centro econômico, com dificuldades para manter seus moradores jovens e talentosos. Assim como Siozon, eles estão saindo para trabalhar em outras cidades de economia crescente nas Filipinas.
- Os jovens profissionais que conheço foram embora por causa da falta de qualidade de vida. Quando olho ao redor, é como se tudo tivesse acontecido ontem - ainda há muita devastação - afirmou Jerry T. Yaokasin, vice-prefeito de Tacloban.
Alguns aspectos da vida em Tacloban melhoraram desde que a tempestade atingiu a cidade no dia 8 de novembro. Alimento e água estão disponíveis - embora Rama tenha afirmado que o custo das garrafas de água potável tenha aumentado seis vezes, consumindo 10% de seu salário. Os moradores afirmam que a criminalidade é baixa, apesar do fim do toque de recolher que foi imposto no desespero da terra de ninguém que foram os primeiros dias após a tempestade.
Entretanto, outros problemas parecem ser insolúveis, incluindo a falta de moradias decentes. A tempestade destruiu ou danificou seriamente as casas de mais de 4 milhões de pessoas - mais do dobro de pessoas afetadas pelo tsunami do Oceano Índico em 2004, que matou mais de 200 mil pessoas, mas não destruiu tantas casas dos sobreviventes.
Muitas pessoas da cidade estão vivendo em barracas. As casas temporárias rejeitadas pelos especialistas das Nações Unidas - pouco mais que duas fileiras de cabines de compensado sob um teto alto, com banheiros compartilhados ao lado - estão sendo reformadas. Todavia, a ampliação das cabines significa que menos famílias poderão ser recebidas.
Além disso, a falta de eletricidade é um problema constante para aqueles que procuram trazer vida para a economia praticamente moribunda da cidade, impedindo um êxodo ainda maior.
Geradores movidos a gasolina ou diesel são proibitivamente caros para a maioria das empresas, custando, em alguns casos, seis vezes mais que a eletricidade da rede. Portanto, as empresas não operam a plena capacidade, mesmo quando conseguem abrir as portas.
O efeito pode ser cumulativo. A IP Car Tech, a maior mecânica de carros e caminhões da região, só consegue operar um de seus 18 elevadores para veículos por vez com um gerador a diesel. Isso significa que muitos dos milhares de carros, caminhões e até ambulâncias danificados pelo tufão e necessários para o comércio e o dia a dia continuam inutilizáveis.
O secretário da energia C. Jericho Petilla prometeu inicialmente que a eletricidade seria reestabelecida até o Natal, mas mudou a data para o fim de março. No entanto, com menos de um quarto dos edifícios reconectados à rede, até mesmo esse objetivo parece distante da realidade.
Para complicar as coisas ainda mais, a cidade foi extremamente pilhada nas duas semanas que se seguiram à tempestade. Cerca de 1,1 mil presos escaparam de três prisões e se juntaram aos habitantes para saquear grandes áreas, às vezes por necessidade, às vezes não.
Cerca de um terço dos transformadores de Tacloban foram destruídos para que as pessoas pudessem pegar seu interior feito de cobre e vendê-lo no mercado negro por cerca de 220 dólares cada. Os transformadores novos custam 1,6 mil dólares, fora a mão de obra. Seções inteiras da linha elétrica foram cortadas e roubadas para a extração do cobre, impossibilitando o envio de caminhões para recolocar as linhas de volta nos postes.
Além disso, a falta de peças de reposição impede o uso de dois dos seis caminhões-grua da cidade. Por isso, os funcionários da companhia elétrica são enviados todos os dias em vans para recolher as linhas caídas antes que elas também sejam roubadas.
O moral anda em baixa: a companhia elétrica exige de 4 a 6 horas diárias de horas extras não assalariadas, além de sábados inteiros pelos quais os funcionários não recebem nada, embora a empresa diga que deseja compensá-los mais adiante.
Os fornecedores de peças fundamentais, como postes de concreto, começaram a exigir o pagamento no momento das entregas para a cooperativa que enfrenta tantas dificuldades.
- Não me surpreenderia se daqui a 12 meses ainda haja clientes que não foram religados à rede - afirmou Adam Victor, executivo-chefe da TransGas Development Systems, com sede em Nova York, que recentemente realizou uma avaliação detalhada da situação.