Laszlo Schwartz nunca chegou a ter propriamente uma adolescência. Os nazistas se certificaram de que isso não aconteceria.
Ele tinha 14 anos quando desembarcou junto à sua família de um vagão gelado de carga na rampa de seleção de Auschwitz, e diz ainda se lembrar da sensação das luvas de couro largas de Josef Mengele beliscando seus bíceps esqueléticos.
Enquanto o sádico médico do campo de concentração, conhecido como o Anjo da Morte, avaliava o jovem Laszlo, ordenando que ele se alinhasse com as outras crianças, uma chama sinistra apareceu no horizonte, contou ele.
- Eu sabia o que eles estavam fazendo, mas eu não queria acreditar. Chegara minha vez de encarar Mengele, e ele me pediu para mostrar os músculos. Perguntou quantos anos eu tinha eu disse que tinha 17, o que não ajudou em nada - , contou Schwartz recentemente para uma turma de 50 alunos do ensino médio nessa pequena cidade no oeste da Alemanha.
Às 83, Schwartz divide seu tempo entre a Alemanha e a cidade de Nova York, para onde emigrou em 1946. Desde julho de 2010, falou em mais de 80 escolas de toda a Alemanha sobre os sequestros, a fome e a tortura que ele sofreu durante a guerra e como o dia em que ele conheceu Mengele foi a última vez em que ele viu sua mãe e irmã.
Falar sobre suas angústias nem sempre foi fácil para Schwartz, cuja bochecha direita ainda é ligeiramente caída na região em que, segundo ele, um membro da Juventude Hitlerista atirou na sua mandíbula. Ele diz que costumava ficar asfixiado com o pensamento da perda da mãe, mas hoje se mostra estoico, com a articulação lenta, mas bem controlada.
Para Schwartz, falar abertamente sobre segredos que ele guardou durante décadas é catártico, mas para a Alemanha, ele também desempenha um papel inestimável no sentido de reforçar a educação a respeito do Holocausto em um momento em que o número de testemunhas vivas está diminuindo a cada ano.
A Alemanha não é o único país preocupado com como serão transmitidos os ensinamentos quanto ao Holocausto uma vez que a geração de sobreviventes não estiver mais presente, mas seu papel como autor do genocídio intensifica o sentimento de urgência.
As histórias de sobrevivência, como as que Schwartz contou recentemente no Gymnasium Martinum, em Emsdetten, são especialmente importantes para as gerações mais jovens, que se sentem cada vez mais desconectadas dos crimes de seus antepassados, afirmam os educadores. Os relatos passados em primeira mão proporcionam um elo emocional com as atrocidades que outras formas de memorialização simplesmente não conseguem reproduzir.
- Ouvir a história de alguém que esteve lá é diferente de ler livros sem graça. É muito mais real - , disse Fransiska Hollekamp, de 17 anos, que esteve entre os 50 alunos daqui que ouviram a fala de Schwartz.
Schwartz cresceu a cerca de 250 quilômetros a leste de Budapeste, em uma aldeia húngara repleta de bosques chamada Baktaloranthaza, onde ele trabalhava com cosmética com o pai, conhecido por seus perfumes de lavanda e loções. O pastor local costumava deixar o jovem Laszlo tocar os sinos da igreja. Eles eram tão pesados, lembra Schwartz, que seu pequeno corpo era içado do chão sempre que ele não conseguia largar a corda a tempo.
Tudo mudou quando a Alemanha nazista ocupou a Hungria em março de 1944. No mês seguinte, antes de Schwartz e sua família serem levados para o gueto de Kisvarda, perto da fronteira com a Ucrânia e, posteriormente, para Auschwitz, o som dos sinos coexistiu com cantos belicosos antissemitas.
Schwartz contou que após seu encontro com Mengele em Auschwitz, ele foi encaminhado para as barracas das crianças, mas 11 dias depois, conseguiu entrar em um comboio que transportava homens que iam prestar trabalhados forçados em Dachau e em seus subcampos no sul da Alemanha.
Ele passou o ano seguinte carregando sacos de cimento até ferrovias e bunkers de avião - e hoje fala quase que com carinho dessa mudança, vendo nela a sua salvação.
No entanto, quando as perspectivas dos nazistas de chegar à Endsieg - a vitória final - foram se dissipando, Schwartz foi atingido por uma das últimas tentativas da SS de matar um grande número de prisioneiros. Durante três dias, Schwartz e cerca de 3.600 outros passageiros adoeceram sem comida nem água a bordo de um "trem da morte" - trajeto que viria a ser interrompido de forma inesperada na Baviera rural.
- De repente eu vejo um dos oficiais da SS tirando o uniforme, colocando roupas de civil e acenando para nós - , disse Schwartz. - Ihr seid frei! - , disse ele. - Vocês estão livres! -
Schwartz correu em direção a uma fazenda nas proximidades, mas contou que a sua fuga foi frustrada quando uma bala penetrou a parte superior do seu pescoço e saiu pela bochecha direita, deixando um buraco na lateral de seu rosto. Ele não tinha outra opção, segundo ele, a não ser seguir o atirador, um adolescente da Juventude Hitlerista, de volta até o comboio.
Comunicados falsos transmitidos via rádio a respeito da invasão de soldados aliados haviam abalado a SS, disse Schwartz. Percebendo o seu erro, os guardas começaram a atacar violentamente os prisioneiros, matando 54 e ferindo 200 deles, incluindo Schwartz.
Para piorar as coisas, aviões de combate norte-americanos confundiram o trem dos prisioneiros com um veículo militar e metralharam os vagões duas vezes, disse Schwartz. Ele e os outros prisioneiros se esconderam de debaixo de cadáveres para se protegerem.
Os soldados norte-americanos libertaram o comboio, dois dias depois, mas Schwartz apenas conseguiu passar por uma cirurgia para tratar do seu ferimento duas semanas depois. Naquele momento, ele tinha sido infectado pela febre tifoide. Bactérias - - grandes e gordas - , conta ele - deformavam a sua carne.
Por mais de um ano, o adolescente desgrenhado, com uma marca de cicatriz no rosto, vagou pelas ruas bombardeadas do sul da Alemanha usando parte de um uniforme nazista que ele contou ter encontrado em uma vala. Ele costurou o seu triângulo vermelho de prisioneiro na lapela esquerda como uma maneira de mostrar a todos, contou ele, que os nazistas não tinham conseguido matá-lo.
Em 1946, Schwartz recebeu uma carta no campo de desabrigados onde morava. Era de seu tio que tinha emigrado para Los Angeles antes da guerra. - Nós temos uma fotografia sua de quando você era bebê - , dizia a carta. Animado por saber que tinha parentes nos Estados Unidos, Schwartz apresentou a carta aos administradores do acampamento e recebeu uma passagem para embarcar no navio de carga americano Marine Perch.
Ele começou a visitar a Alemanha com pouca frequência em 1972, mas por seis décadas e meia, Schwartz mal conseguiu dizer uma palavra sobre as angústias que tinha vivido quando adolescente. Tudo o que a sua família sabia era que ele tinha sido baleado.
Isso mudou em julho de 2010, quando um conhecido sobrevivente do Holocausto, chamado Max Mannheimer, que Schwartz conhecia de Dachau, incentivou-o a compartilhar sua história nas escolas alemãs. Um público jovem ouviria as suas histórias, Mannheimer disse a ele. Além disso, ao contrário de gerações anteriores, eles não tentariam arranjar desculpas para justificar o seu silêncio durante a guerra.
Para Schwartz, que disse que "nunca gostou de acampar" depois da guerra, a experiência se revelou um alívio.
Em julho, a apenas meia hora de carro de onde ele viveu em Dachau, a Alemanha reconheceu o trabalho de Schwartz nas escolas, concedendo a ele o Bundesverdienstkreuz - a Ordem do Mérito - , mais alta honraria civil do país, em uma cerimônia em Munique.
Na escola de Emsdetten, Schwartz mostrou orgulhosamente a medalha vermelha, branca, prateada e dourada para os alunos.
- Aqui está o garoto de 14 anos que foi tão mal tratado e hoje está recebendo todo esse reconhecimento. Sou quase que um artista à espera dos próximos aplausos - , completou.