Em 16 de junho de 1976, 10 mil estudantes marcharam em direção ao Estádio Orlando, em Soweto, para protestar contra a humilhação que passavam nas escolas. O ensino era precário e de difícil acesso. Foram reprimidos pela polícia, e 23 morreram.
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Na quinta-feira, no mesmo estádio, totalmente reformado para a Copa do Mundo de 2010, os moradores da maior das townships (bairros onde os negros eram confinados pelas restrições do regime do apartheid) celebravam a vida do homem que mudou essa história.
Por mais de quatro horas, cantaram, rezaram e dançaram músicas para Nelson Mandela. Entre as mais animadas estava Ntombi Mzila, 35 anos, que fez magistério e é voluntária em uma escola. Ela diz que a situação do ensino melhorou em relação àquela época.
- Fiz a primeira e a segunda séries sentada no chão porque não havia móveis na escola. Agora, temos professores e muito mais oportunidades. Somos livres - diz a moradora.
Relembre a cerimônia de adeus a Mandela em imagens:
As condições estão melhorando, mas os contrastes são visíveis. Vinte anos depois do fim do regime de segregação, algumas partes mal acabaram de receber luz. Há áreas de favela, outras que se parecem com loteamentos e muitas moradias mais prósperas.
Zikile Diamini, 36 anos, mãe de três filhos, mas guardiã de outros dois filhos da irmã que morreu de Aids - uma das maiores pragas da África do Sul -, desenha objetos feitos com material reciclável, como estojos e bolsas. Em seu casebre vivem sete pessoas, mas Zikile está na fila para receber uma casa subsidiada pelo governo. Diz estar contente porque agora há lojas, centros médicos, escolas e igrejas. A artesã compara a situação com a de sua infância.
- Tínhamos de ir longe para obter qualquer coisa. Havia policiais o tempo todo fazendo ameaças. Meu pai dizia que eles atiravam com agulhas para intimidar. Lembro que a minha avó escondia seus alunos em casa, com muito medo. Agora, somos livres - relata.
Poucas portas adiante da casa de Zikile, Irene Mcunu, de etnia xhosa, cuja família vive próxima à cidade onde Mandela será enterrado no domingo, Qunu, é uma costureira bem sucedida. A casa confortável, com carro na garagem e eletrodomésticos reluzentes foi conquistada costurando trajes para casamentos.
- Na minha juventude, eu trabalhava horas e horas para não receber nada, como escrava. Agora, ganho mil rands (US$ 100) para alugar um vestido por uma noite - conta, orgulhosa, embora se diga descontente com os políticos por conta da corrupção.
zh.doc: Mandela por Mandela
Das proximidades do estádio, onde as duas moram, do outro lado da avenida por onde passam os ônibus BRTs construídos para a Copa do Mundo, está Orlando West, o coração da luta anti-apartheid. Lá, em uma mesma rua, Vilakazi Street, moraram dois Prêmios Nobel da Paz, Mandela e o arcebispo da igreja anglicana Desmond Tutu.
Madiba fazia reuniões secretas na igreja e organizou o Congresso Nacional Africano para a luta armada, até ser preso, em 1962, e depois sentenciado à prisão perpétua. Hoje, a Vilakazi Street é uma das mais badaladas de Soweto. A casa de Mandela e Winnie foi transformada em museu.
No entorno, bares e restaurantes pulsam, carrões circulam o tempo todo, assim como turistas e artistas de TV. A gigante Soweto e seus 1,2 milhão de habitantes - quase do tamanho de Porto Alegre - está mais próxima do que nunca de Joanesburgo.