A imagem pungente rodou o mundo: uma violinista loira com lágrimas rolando pelo rosto enquanto tocava Elgar em uma orquestra do canal público de rádio e TV, como protesto contra a recente decisão unilateral do primeiro-ministro Antonis Samaras de fechar o canal e mandar embora seus 2.600 funcionários.
Um pouco melodramática, arrastada em algumas partes, mas cheia de sentimento, a apresentação de "Nimrod" das "Variações do Enigma", de Elgar, capturaram um momento na Grécia. Essa música se tornou a trilha sonora de um país que desmorona, uma canção fúnebre para uma ordem social que se dissolve a cada novo trimestre de recessão, o som da perda da fé na capacidade dos líderes gregos e na Europa.
O vídeo - e os programas ao vivo exibidos na rede, produzidos por funcionários que ainda vão ao trabalho mesmo sem receber, ocupando ilegalmente a sede do canal - gerou imensa solidariedade com um canal de TV que sempre foi visto como mal gerido e alvo de nepotismo.
Para um governo que deseja mostrar que está no controle, fechar as portas da Hellenic Broadcasting Corp., conhecida como ERT, foi uma aposta pesada. Samaras queria mostrar ao trio de credores internacionais que seria capaz de cumprir as exigências de despedir funcionários do setor público - algo que a Grécia não conseguiu fazer nesses quatro anos de crise financeira e encolhimento dos orçamentos públicos.
Porém, uma crise baseada em grande parte na percepção, desativar o canal público de TV - uma das poucas fontes de notícias que não pertence a magnatas gregos - revelou outro lado do primeiro-ministro, um que os críticos afirmam ser cada vez mais autocrático e teimoso, disposto a infringir a liberdade de impressa e arriscar uma crise política para que as coisas sejam feitas do seu jeito.
Ao longo dos anos, governos sucessivos trouxeram ondas de pessoas ligadas a seus partidos para a ERT. Ninguém era mandado embora, então ninguém nega que havia gente demais, nepotismo e cargos políticos - o que causou a ira da maior parte dos gregos.
Embora a equipe da ERT seja vista como enxuta, se comparada à de outros canais europeus, ela é vista por boa parte da Grécia como um peso. Antes de a crise financeira atingir o país em 2009, o canal contava com 100 apresentadores que ganhavam cerca de 650.000 dólares por ano, de acordo com um antigo gerente da ERT. A violinista do vídeo toca em uma das três orquestras do canal.
Samaras chamou a ERT de bastião caro do favoritismo, embora os críticos destaquem que boa parte das contratações irregulares tenha sido feita por seu partido, o Partido da Nova Democracia, e por outros membros da coalisão do governo.
Giorgos Kogiannis, ex-diretor de notícias da ERT, acusou o governo de hipocrisia ao fechar a ERT para cortar custos, afirmou que o governo de três partidos formado em junho havia colocado gente ligada a eles logo que tomaram o poder, triplicando o número de conselheiros do chefe executivo.
- Logo que eles entraram para o governo, começaram a fazer indicações políticas para a ERT. Eles colocaram 20 conselheiros no escritório do CEO, comparados aos seis de antes - afirmou Kogiannis. Ele acrescentou que muitos desses cargos foram dados a pessoas com laços estreitos com o porta-voz do governo, Simos Kedikoglou, e outras autoridades ligadas a ele.
Kedikoglou não respondeu ao pedido de entrevista. Enquanto isso, os 2.600 funcionários da ERT lutam para salvar os empregos e, compreensivamente, se sentem como peões de uma batalha mais ampla.
A ação também alarmou organizações de mídia de toda a Europa. A União Europeia de Radiodifusão, que inclui a BBC e mais de 40 outros canais públicos de rádio e televisão, afirmou que "a ação foi antidemocrática e nada profissional por parte do governo grego", dizendo que ele minou a existência da mídia pública na Grécia e sua independência do governo.
Porém, em 2011 o Conselho Europeu exigiu que a Grécia fechasse ou diminuísse a ERT e outras entidades estatais, como forma de atingir os objetivos do déficit orçamentário.
Acima de tudo, afirmam especialistas, as dificuldades em enxugar a ERT simbolizam as grandes dificuldades para mudar qualquer coisa no setor público da Grécia, uma rede vasta de grupos de interesse interconectados que dependem uns dos outros para sobreviver.
- Sempre foi uma organização política - afirmou Elias Mossialos sobre a ERT. Mossialos é professor de saúde política na London School of Economics, atuou como ministro de Estado de junho a novembro de 2011 e tentou alterar a cultura da ERT. Ele conseguiu cortar custos e gerar lucros, mas afirmou que suas propostas de mudanças acabaram ignoradas.
- Fui confrontado por todos - afirmou, destacando que a rede de TV era controlada pela "politização, protecionismo, clientelismo e intervenções", como quando os políticos ligam e ditam a pauta dos jornais. Ainda assim, ele se opõe à decisão de Samaras.
- Foi antidemocrático. Como não conseguiram em nenhum outro lugar, fecharam a ERT - afirmou.
Para muitos gregos, o fechamento rápido e silencioso da rede de TV os levou a questionar o que o governo grego estaria guardando para o futuro.
Enquanto trabalhava em uma loja de Atenas, em um local que já foi muito agitado, mas que agora está repleto de placas de "aluga-se", Eleni Rallaki, de 41 anos, afirmou que o fechamento a preocupava:
- Se a ERT pode ser fechada, podemos esperar qualquer coisa.