Um grupo sai em roteiro turístico e tem como atrações mais de 70 mil imóveis abandonados, entre casas, escolas, teatros e gigantes fábricas de automóveis. É esse o sombrio retrato de Detroit, uma vez a quarta maior metrópole dos Estados Unidos - agora, símbolo da decadência.
Quem faz as vezes de guia é a equipe do site Detroit Urbex, que promove invasões às propriedades esquecidas com os interessados em conhecer a ascensão e a queda da cidade. De 1910, década da abertura das primeiras fábricas automobilísticas, até os anos 1970, a Motor City, como era chamada, representou o sonho americano de carros velozes e prosperidade econômica. Em 1950, viu sua população chegar a 1,8 milhão. Mas, da mesma forma que muitas cidades americanas, teve um princípio de ocaso já na década de 1960 - com as contendas raciais de 1967, a elite branca se mudou para norte da 8 Mile Road, estrada considerada um divisor racial da região.
Ao mesmo tempo, fábricas de automóveis começaram a abrir plantas em outras cidades, e o aumento das importações de veículos do Japão teve impacto no setor nos Estados Unidos. Os valores das propriedades na cidade caíram, assim como a arrecadação de impostos.
A polícia não controlava o crescente número de assassinatos (é a segunda cidade mais violenta do país, depois de New Orleans), e a classe média negra mudou-se para subúrbios seguros com melhores escolas. Em 2009, as montadoras entraram em colapso - acompanhadas pela economia toda. Detroit afundou junto - e, para agravar o quadro, era administrada pelo prefeito Kwame Kilpatrick, preso por corrupção, fraude e sonegação.
No censo de 2000, a população da cidade já não chegava a 1 milhão. Hoje, beira os 700 mil.
Depois de meses em negociações sem sucesso com os credores, funcionários públicos e pensionistas que não pode mais pagar, a cidade entrou na quinta-feira com um pedido de proteção com base no código falimentar dos Estados Unidos, o chamado Capítulo 9. Na prática, anunciou insolvência e pediu concordata - o que é considerado inconstitucional pela juíza de Ingham, em Michigan, que pede que o pedido seja retirado.
Mesmo sem uma estratégia viável, de recuperação, o governador de Michigan, Rick Snyder, parece otimista:
- Agora é a oportunidade de acabar com 60 anos de declínio (...) Sairemos dessa com uma Detroit melhor e mais forte, e com um plano para fazer a cidade crescer. Os cidadãos não só desta cidade, mas do Estado, merecem - disse, em entrevista coletiva.
Mas a esperança de Snyder destoa do cenário de incerteza. Embora as Big Three - Ford, Chrysler e GM - se recuperem da crise de 2009 e prometam cooperar com a restauração da cidade, a dívida ronda US$ 18 bilhões.
A falência não surpreendeu ninguém em Detroit, diz F., administrador do Detroit Urbex, que prefere se manter anônimo. Ele e sua equipe documentam, em fotografias, o que restou da cidade. O exemplo mais chocante é o da Cass Tech High School, grande escola de Ensino Médio no centro, que foi abandonada em 2005. Os computadores, ainda da década de 1990, e parte da biblioteca ficaram para trás.
- Como isso aconteceu e o porquê são coisas que ainda não foram esclarecidas, o que deixa a descoberta mais misteriosa - conta o fotógrafo.
O que deu errado em Detroit? Para F., não é possível citar uma coisa só:
- Foi uma tempestade perfeita de fatores, começando com o rápido crescimento da cidade, a desindustrialização, o descontentamento social, os altos impostos e a subsequente perda de arrecadação de impostos que tornou impossível administrar a cidade. Precisamos do nosso Robocop - brinca, em referência ao ciborgue do filme de 1987, que tenta salvar uma Detroit entregue à corrupção e à violência.
Acervo artístico também à venda
A concordata deixa a administração municipal livre para vender bens da cidade a credores e pensionistas. O que ameaça um dos bens mais valiosos de Detroit: sua coleção de arte, estimada em bilhões de dólares. Sem lei que proíba a venda da coleção do Detroit Institute of Arts (DIA), não se sabe se é possível proteger as obras dos credores depois de ter pedido a concordata.
O diretor do DIA, Graham W.J. Beal, já afirmou que o acervo é um dos mais valiosos do Ocidente. Uma pesquisa independente realizada pela Detroit Free Press estimou que os 38 itens mais famosos da coleção podem valer US$ 2,5 bilhões, embora o valor exato do acervo seja impossível de determinar. As pinturas mais caras incluem obras de Tintoretto, Monet e Matisse.
Auge e declínio
- A cidade cresceu por conta de seu porto, mas foi na virada do século 20 que as primeiras montadoras, como a Cadillac se instalaram.
- 295 mil era a população de Detroit em 1910. Em 1950, os habitantes chegavam a 1,8 milhão.
- Em 1915, 13 das 15 marcas de carros mais populares do país estavam em Detroit.
- Em 1955, os empregos na área industrial da cidade somavam 296 mil.
- Na década de 1970, Detroit exportava tecnologia.
- 684 mil era o que restava da população da cidade em 2012, com 18,6% de desemprego e cerca de 36% da população vivendo na pobreza