Bab al-Salam, Síria - Estava frio e chuvoso quando mais uma família desabrigada pela guerra chegou a esta cidade, no norte da Síria, para iniciar vida nova numa barraca.
Khadija al-Ali parecia estar tentando não chorar enquanto explicava como, no espaço de uma semana, ela havia ido de esposa de classe média a mãe solteira sem teto.
Khadija levava uma vida confortável na cidade de Alepo com o marido, um alfaiate, e os três filhos, com 1, 3 e 6 anos. Então um caça do governo sírio lançou uma bomba que destruiu sua casa, mas ninguém estava no local e os familiares agradeceram a Deus por estarem vivos.
Alguns dias depois, o marido de Khadija desapareceu em Alepo. Talvez ele tenha sido preso no posto de checagem, ou atingido por uma bomba, ou morto pelos atiradores de elite atualmente comuns pela cidade. Um morador de Alepo contou sobre um amigo que havia sido atingido por um atirador no ombro e na perna. Era perigoso demais arrastá-lo até um local seguro, e ele morreu na rua dois dias depois.
- Simplesmente não sei o que aconteceu - declarou Khadija inexpressivamente, enquanto seu primo (que confirmou a história) sugeriu que o marido provavelmente estava morto.
Um funcionário do Crescente Vermelho Árabe sírio chegou com pães para a família, comidos avidamente pelas crianças. Quando pedaços caíram na lama, eles os recolheram e limparam. E cobertores são ainda mais difíceis de conseguir do que comida.
- Tenho medo que meus filhos morram neste inverno frio - afirmou ela.
Multiplique Khadija por mais de um milhão e você entenderá a escala do tormento da Síria. Até agora, quase 40 mil pessoas foram mortas na guerra civil, e cerca de 2,5 milhões foram desalojadas de suas casas.
O presidente Barack Obama e outros líderes mundiais têm evitado intervir na Síria, temendo desestabilizar a região e fortalecer os fundamentalistas islâmicos. O ocidente também teme o Exército Livre da Síria, que inclui elementos extremistas e já cometeu atrocidades.
Os temores ocidentais são legítimos, e muitos sírios têm opiniões ambivalentes sobre o Exército Livre da Síria. Alguns combatentes se envolvem em saques ou sequestros, e muitos são mal treinados e pouco profissionais (o estabelecimento de uma nova coalizão da oposição síria, imediatamente reconhecida pela França, pode ajudar um pouco).
Minha opinião é que os sírios rurais geralmente apoiam o Exército Livre da Síria, enquanto alguns habitantes urbanos veem-no como uma gangue armada que invade bairros irresponsavelmente - sabendo que isso trará bombas do governo que devastarão aquelas ruas.
Também é verdade que militantes islâmicos e combatentes estrangeiros vêm desempenhando um papel crescente (mas ainda pequeno) no combate. Parte disso é real, e parte é postura política: grupos de combatentes perceberam que a melhor maneira de obter armas é deixar crescer a barba, citar o Corão e pedir apoio na Arábia Saudita e Qatar.
Um empresário secular pró-ocidente que perdeu seu filho de 18 anos num ataque a bomba disse que não concorda com os militantes, mas ainda assim os recebe bem. "Eles têm a humanidade de ajudar", afirmou ele, contrastando sua ajuda com indiferença do ocidente.
Um imã, um pouco distraído, pois estava se preparando para contrabandear uma bandeira rebelde para dentro de Alepo, sob risco de execução, colocou da seguinte forma: - Os americanos estão com os sírios, mas eles querem apenas conversar.
Existem perigos num envolvimento maior, e a Síria é uma arena mais difícil de intervir do que era a Líbia - mas admitamos que a distante abordagem atual já fracassou. A passividade ocidental saiu pela culatra e acelerou tudo aquilo que Washington teme: caos, instabilidade regional, sectarismo e crescente influência de militantes islâmicos.
Os Estados Unidos seguramente não devem enviar botas ao solo. Mas há medidas que podemos tomar para salvar vidas, acelerar o fim da guerra, reduzir os riscos para a região e proteger os interesses americanos. Um menu sensato inclui uma zona de exclusão aérea (apoiada pela OTAN) sobre partes do norte da Síria, entrega de armas e munição (embora não armas antiaeronaves) ao Exército Livre da Síria, suporte de treinamento e inteligência, e cooperação com os rebeldes para isolar armas químicas.
- O governo nos mata diariamente, e ninguém se importa conosco - declarou Aisha Muhammad, que não sabe sua idade mas parecia estar na casa dos 70. Ela contou que um atirador do governo havia atingido um de seus dois filhos, custando-lhe o braço, e que o outro havia sido preso há alguns meses, sem notícias desde então.
Questionada se ele ainda estaria vivo, ela se encheu de lágrimas: "Não sei". Toda a sua aldeia foi destruída, e hoje ela vive a velhice sozinha, numa barraca fria e úmida. Para ela e muitos outros sírios desabrigados, existe apenas uma certeza: o inverno tornará os próximos meses ainda mais infelizes.
The New York Times
Homens desaparecem no norte da Síria
Em meio à guerra civil, milhares de pessoas morrem em ataques ou simplesmente não são mais encontradas
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