Moscou - Durante semanas, a cobertura da corrida presidencial nos Estados Unidos na mídia controlada pelo Estado na Rússia foi obscurecida por uma camada de escárnio, apresentada por comentaristas famosos como uma briga difamatória ou um "concurso de beleza" na qual candidatos indistinguíveis competem pela lealdade dos blocos de eleitores e "alguns preferem morenas grandes e gorduchas, outros, anoréxicas magricelas".
Contudo, para quem acreditava que a Rússia não tinha nada em jogo, o terceiro debate presidencial norte-americano serviu para concentrar a mente. Na hora do almoço do dia seguinte, Fyodor Lukyanov, um dos analistas mais famosos, apresentou o veredicto no jornal "Izvestiya": se Mitt Romney ganhar, as relações entre Rússia e EUA não serão estragadas, serão interrompidas, deixando de existir por um longo tempo.
Enquanto a corrida entre Romney e o presidente Barack Obama se aproxima da última curva, o mundo nos assiste - e a maneira pela qual os países cobrem a campanha muitas vezes revela bastante sobre como se sentem em relação a si mesmos, além de como percebem o processo político norte-americano.
Os repórteres japoneses têm acompanhado os candidatos na campanha, examinando suas táticas como um modelo para o vibrante sistema bipartidário que o Japão gostaria de criar.
Já os comentaristas brasileiros, baseados na familiaridade com os ícones culturais norte-americanos, avaliam os detalhes, expressando surpresa, por exemplo, com a ideia de Romney terminar com o subsídio à rede de televisão PBS, cujo Big Bird é carinhosamente chamado de Garibaldo na versão brasileira de "Vila Sésamo".
Em outros países, como Rússia e China, a cobertura é atenuada, refletindo tanto percepção em relação à retórica linha-dura de Romney quanto decepção pelos quatros anos de política internacional de Obama. Na verdade, a desilusão marcou o noticiário em muitos países, até mesmo na Alemanha, uma nação viciada nos mistérios políticos norte-americanos. Em contraste com 2008, quando a cobertura das primárias democratas mereceu emocionantes reportagens de capa em toda Alemanha, a análise desta temporada tem sido sóbria e muito menos entusiasmada.
- Em 2008, todo mundo queria saber onde estava o Obama alemão - disse Christoph von Marschall, diretor da sucursal de Washington do diário alemão "Tagesspiegel".
- Ninguém mais pergunta isso. Obama deixou de ser o messias. Ele é apenas um político, um político normal e, às vezes, detestável - continuou.
No Japão, em comparação, os principais jornais e noticiários televisivos trazem reportagens diárias sobre a campanha, destacando erros e contratempos dos candidatos, com análises que pareceriam ardorosas nos lares norte-americanos. Em grande medida, o entusiasmo é prático. Três anos atrás, uma eleição histórica pôs fim a 57 anos de governo do mesmo partido no país, e seus líderes buscam um modelo para a instalação do sistema bipartidário.
Embora os analistas critiquem determinados aspectos da campanha presidencial, como anúncios com ataques, o sistema político competitivo ainda é encarado de forma positiva no Japão e os leitores devoram detalhes minuciosos sobre práticas, como as primárias dos partidos. A troca de acusações brutas nos debates televisivos é tema de uma fascinação particular, em parte porque tais ataques pessoais diretos são estranhos à cultura política comedida e autodepreciativa do Japão.
"O mundo inteiro está observando a eleição da superpotência" afirmou recentemente um editorial do "Mainichi Shimbun", um dos maiores jornais japoneses. "Nós esperamos uma batalha enérgica de palavras em temas como" a disputa com a China pelas ilhas a leste do Mar da China. Porém, se aguardam a discussão rigorosa de assuntos de interesse regional, os jornais nipônicos parecem decepcionados até agora.
"Em contraste com a ferocidade da troca de acusações, os debates deixaram insatisfeitos quem não mora nos EUA", assegurou um editorial recente do "Nishi Nippon Shimbun".
Os correspondentes brasileiros se espalharam por Colorado, Nevada e New Hampshire, trazendo cobertura diária de todas as mudanças nas pesquisas.
Os comentários se expressam por meio de blogs, mídia social - o Brasil é o segundo país, após os EUA, em número de usuários do Facebook e Twitter - e jornais, mostrando-se agitados em relação ao destino do Garibaldo, parecendo aliviados quando a campanha de Obama divulgou anúncios atacando Romney por sugerir o fim da destinação de verbas à PBS.
Embora a América Latina mal tenha sido citada durante a campanha, os brasileiros se mostram fascinados enquanto a corrida entra na reta final com os dois candidatos empatados.
Elio Gaspari, influente colunista político, dissecou uma cadeia de eventos na qual Romney e Obama terminam empatados no Colégio Eleitoral, com 269 votos cada, determinando que a corrida seja decidida pela Câmara dos Deputados. Dessa forma, para ele, Romney pode vencer a presidência mesmo que Obama ganhe no voto popular.
- A democracia norte-americana sairá mal da foto - sustenta Gaspari.
Esse tipo de drama não chega aos telespectadores chineses. Embora o principal canal nacional, a CCTV, tenha aberto uma grande sucursal em Washington, a corrida presidencial não tem recebido muito destaque nos noticiários, e nenhum repórter chinês vem acompanhado a campanha.
Em parte, isso se deve a uma questão de "timing". O dia da eleição nos EUA acontece apenas dois dias antes da abertura do importantíssimo 18º Congresso do Partido Comunista, o qual apresentará um novo conjunto de líderes na segunda transferência de poder pacífica na era comunista da nação.
A capital está interessada em sua própria movimentação política e sabe-se pouco de como os principais líderes do governo enxergam Romney e Obama.
A campanha atraiu interesse entre os chineses que têm contato frequente com norte-americanos. Estudantes e trabalhadores jovens se dizem fascinados com o debate aberto e as possíveis grandes diferenças entre os dois partidos majoritários.
- O confronto de ideologias nos EUA é muito mais dramático do que na China - disse Guan Xin, que traduz programas televisivos dos EUA para o chinês, como "The Daily Show" e "Real Time With Bill Maher".
- Sempre se escutam expressões como 'forte polarização' nos noticiários. A divisão entre os partidários da direita e da esquerda é muito grande agora. Há anos não ouvia o termo 'luta de classes' num noticiário chinês - completou.
A cobertura russa é igualmente abafada. A corrida norte-americana acontece depois de uma série de três eleições em grande medida não competitivas na Rússia, que prolongaram o governo do presidente Vladimir Putin e do partido que é o principal sustentáculo do Kremlin, a Rússia Unida. As autoridades russas estão preocupadas em controlar a dissidência interna, declarando que o Departamento de Estado norte-americano é o responsável pelo crescimento do ativismo contra o governo.
Na televisão, que tem grande influência sobre a opinião pública, muitos comentários sobre a disputadíssima campanha norte-americana têm sido neutros ou negativos.
"Debi e Loide", anunciou a apresentadora durante uma edição recente de "Vesti", um resumo das principais notícias, ao anunciar um segmento sobre a eleição:
- A tendência das duas últimas semanas desta eleição foi encher corações e mentes dos eleitores não com amor ao candidato, mas com ódio pelo adversário.
- Para quem observa de fora, a luta pelo cargo maior da superpotência parece briga na cozinha de um apartamento comunitário - disse a apresentadora.
No segmento, o repórter Grigori Yemelyanov declarou:
- Os EUA gostam de um show. Provavelmente, é mais interessante assistir do que fazer uma escolha ponderada entre duas plataformas opostas.
Por trás dessa aparência de desdém, existe algum nível de preocupação em relação às repercussões de uma vitória de Romney por aqui, principalmente depois do terceiro debate, quando ele acusou Obama de ser submisso a Putin. Alguns linhas-duras do Kremlin, os quais advertiram que ameaças externas à Rússia eram uma maneira de unificar o país, talvez vejam um tom útil em Romney, que proclamou a Rússia "nosso inimigo geopolítico número um".
Apesar da percepção fria dos EUA, Obama é o preferido do povo russo. De acordo com pesquisa divulgada em outubro pelo Centro Nacional de Opinião Pública da Rússia, 42% afirmaram que sua vitória seria benéfica para o país, enquanto somente quatro por cento disseram o mesmo de uma vitória de Romney.
- Obama é um parceiro - disse Alexei K. Pushkov, que apresenta "Post-Scriptum", programa de debate político, e chefia o comitê de assuntos externos da Duma Estatal.
- Podemos estar decepcionados com ele, mas o consideramos um parceiro. Romney não tem nada de parceiro - finalizou.