Hacipasa, Turquia - Os homens ficaram à beira da estrada, observando a guerra que se aproxima cada vez mais de casa. Em meio ao barulho de explosões, trabalhadores colhiam algodão e pimentas vermelhas neste recanto do fértil sudoeste da Turquia.
- Desde as seis da manhã de hoje, eles estão atacando aquela aldeia - declarou Enver Elmas, um agricultor de 46 anos, enquanto forças do governo sírio combatiam rebeldes na vila de Azmerin, ao lado do estreito Rio Orontes. - Estamos com medo. Nossa aldeia fica bem ao lado da fronteira.
Turquia e Síria dividem uma sinuosa fronteira de mais de 805 quilômetros, onde em alguns pontos as aldeias parecem se fundir, famílias compartilham sobrenomes e antecedentes, se não passaportes, e oliveiras cobrem as encostas das montanhas. Aqui, entre os silenciosos ritmos da vida rural, o povo está testemunhando o que há meses é uma das maiores preocupações sobre a guerra vizinha: que ela se derrame pela fronteira, arraste países vizinhos e, num piscar de olhos, se transforme numa conflagração regional.
A guerra, a cada dia, está chegando mais perto de casa.
As tensões na fronteira ficaram especialmente altas recentemente, quando a Turquia acionou dois caças após relatos de que helicópteros sírios estavam atacando Azmerin, aumentando os temores de outra incursão em território turco.
Recentemente, numa vila nos arredores de Akcakale, a cinco horas de carro daqui, enlutados continuavam numa tenda funerária para cinco civis mortos por um morteiro sírio. Foi a primeira vez que a guerra civil causou mortes dentro da Turquia, e a primeira vez que o exército turco revidou os disparos.
O maior oficial do exército da Turquia, o general Necdet Ozel, visitou os enlutados. Sob o olhar de câmeras da televisão, ele se aproximou de um membro da família e prometeu uma reação militar ainda mais forte caso os ataques da Síria através da fronteira persistissem.
Uma jornada por essas terras de fronteira revela uma região cada vez mais no limite. Enquanto os líderes da Turquia mostram menos disposição para desempenhar um papel apenas de bastidores no apoio aos rebeldes sírios, é aqui que as pessoas estão sentindo o calor. Desde o início, há um constante ressentimento quanto às dezenas de milhares de refugiados, as dificuldades econômicas e as tensões étnicas trazidas pelo conflito sírio.
Mas esses fardos agora parecem um prólogo do perigo real que os espera. A Turquia intensificou as medidas de segurança em zonas militares, implantando artilharia e baterias antiaéreas voltadas à Síria. Aviões de combate F-16 foram posicionados ao lado da fronteira, prontos para realizar ataques aéreos.
- O momento está problemático - afirmou Mehmet Ali Mutafoglu, que administra a multimilionária empresa têxtil de sua família em Gaziantep, cidade de fronteira conhecida pelo pistache e por centros de compras que costumavam atrair muitos sírios.
- Os moradores de Istambul, de Ancara, eles não sabem o que está acontecendo aqui - afirmou ele, ecoando uma queixa comum em toda a região.
Antes da guerra, Mutafoglu investiu US$ 40 milhões em duas fábricas na Síria - que, segundo ele, geram US$ 25 milhões em receita anual. Agora ele teme que seu investimento se perca, junto aos laços que unem as duas nações e trouxeram oportunidades a ambas.
Esta região se beneficiou da abertura comercial e cultural à Síria sob o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, cujo Partido da Justiça e Desenvolvimento subiu ao poder em 2002 e começou a afastar o país do Ocidente e aproximá-lo do mundo árabe. A abertura à Síria foi a peça fundamental dessa estratégia.
Mas agora, sem uma resolução rápida para o conflito, poucos - nem os moradores locais e nem os rebeldes - parecem apoiar a abordagem da Síria pela Turquia.
Em outra cidade de fronteira, Kilis, Mutafoglu disse que os preços de alimentos e aluguéis de apartamentos aumentaram acentuadamente, e o hospital local estava tão cheio de sírios que faltavam vagas para moradores.
Não existe uma estrada única que una essas cidades, aldeias e vilarejos a leste e oeste de uma ampla área. Mas as travessias são o denominador comum, o portal aos desafios compartilhados pela região.
No centro da cidade, num parque com uma casa de chá, homens jogavam gamão e discutiam a guerra. Eles disseram que o tecido social está se desgastando com a chegada de tantos sírios. Os aluguéis estão subindo, e residentes não conseguem mais obter assistência médica adequada. As reclamações pareciam não ter fim.
- Nosso hospital público é um dos melhores da Turquia, mas não consegue mais atender seu próprio povo - declarou Osman Altinoymak, um bancário aposentado. -Ele está cheio de árabes.
No hospital, uma recepcionista confirmou a informação. "Há muitos sírios chegando diariamente, pois o tratamento é gratuito", afirmou ela, que não quis dar o nome depois que seu chefe se aproximou e disse que funcionários não podiam conversar com jornalistas. - Não há espaço para locais. Isso é grande problema para a Turquia.
Mas esta região é também a área de treino mais importante para os combatentes rebeldes, e um centro para figuras da oposição síria. Era assim, inicialmente, que o governo parecia querer - dando aos rebeldes um refúgio, deixando que eles tramassem, planejassem e descansassem, tudo com segurança em território turco. Os rebeldes, em seguida, cruzariam de volta para a Síria.
Mas essa estratégia, ou tática, já perdeu o sentido, com a guerra se aproximando de casa.
Perto de Akcakale, onde os civis foram mortos por um morteiro sírio, um tanque turco estava posicionado ao lado do posto de fronteira, canhão apontado para a Síria. Atiradores de elite podiam ser vistos no topo de um silo de grãos, enquanto a bandeira do Exército Livre da Síria se erguia do outro lado.
- Eles precisam sentir o peso da Turquia - disse Mehmet Toktimur, de 24 anos, que costumava trabalhar dirigindo um táxi indo e voltando pela fronteira. - A retaliação é boa.
The New York Times
Turquia está cada vez mais perto da guerra
População turca teme que conflitos na vizinha Síria se arrastem além da fronteira entre os dois países
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