Enquanto Chime Doma e suas três irmãs cresciam, preparar sha momos - bolinhos de carne suculentos que são uma obsessão entre os tibetanos - era um projeto importante e muito aguardado.
- Encontrar a carne não era tão fácil, mas quando finalmente conseguíamos um pouco, toda a família ajudava a cortá-la, depois a fazer a mistura e dobrar os bolinhos - disse Doma, que foi criada, como muitos dos tibetanos que agora vivem nos Estados Unidos, na Índia.
Os momos têm forma de meia-lua ou de uma bolsinha roliça e redonda, e embora possam ser feitos com formas compradas em lojas, a maioria das famílias tibetanas dos Estados Unidos tem um recipiente reservado para preparar as finas trouxinhas de massa. No Tibete, o trigo era ainda mais escasso do que a carne, então os momos eram guloseimas para ocasiões especiais como o Losar, a celebração do Ano Novo Tibetano.
Para um povo que conheceu a fome e o sacrifício, o Losar é um feriado construído com base nos bons sentimentos evocados pela comida - e um paradoxo alimentar: embora a maioria dos tibetanos seja budista, e por isso evite tirar vidas, eles também são grandes amantes da carne, e os sha momos são o prato nacional não oficial.
O restaurante das irmãs em Nova York, o Tsampa, é principalmente vegetariano, e oferece apenas momos de vegetais e frango, em deferência aos seus muitos clientes que não comem carne vermelha. Mas há sempre sha momos destoando do menu, disse ela, para os frequentadores tibetanos que ficariam ofendidos por não encontrá-los.
- Aqui, os momos de carne são uma comida do cotidiano. Eles fazem os tibetanos muito felizes - disse ela.
O próprio Dalai Lama tem encontrado dificuldades para adotar uma dieta vegetariana, que é o que se espera dos líderes espirituais budistas; muitos tibetanos contam que os médicos o aconselharam a comer carne por motivos de saúde (a informação oficial é de que as cozinhas de sua residência em Dharamsala, no norte da Índia, são vegetarianas, mas que o Dalai Lama come carne em outros lugares).
A tradição de comer carne é forte porque sem a carne como fonte de gordura e proteína, os tibetanos simplesmente não teriam conseguido sobreviver em seu planalto frio e alto durante séculos, disse Ganden Thurman, diretor-executivo do centro cultural da Casa Tibete, em Nova York. Além disso, disse Thurman, há uma razão budista prática para comer iaque em vez de, digamos, coelho ou peixe.
- A carga cármica de matar um coelho e um iaque é a mesma - uma vida. Mas é possível alimentar muito mais pessoas com um iaque - disse ele.
A carne de iaque pode ser magra e dura; os sábios cozinheiros tibetanos costumavam fazer sha momos mais suculentos inserindo um pouco de óleo e água no recheio. O truque funciona nos Estados Unidos também, com a carne picada; a carne de iaque é encontrada no Colorado e em Wyoming e agora servida em alguns restaurantes em Nova York, mas a maioria dos lugares utiliza carne bovina.
À medida que o vapor penetra os bolinhos, os sumos, aromatizados com cebola, coentro e gengibre, liquefazem-se em um caldo quente e salgado. A massa dos momos não é tão fina, de modo a conter melhor esse líquido, que é liberado na primeira mordida (os momos também podem ser fritos, mas não ficam tão suculentos nem satisfatórios dessa maneira).
Depois de sugar o caldo, os tibetanos mergulham os momos no sepen, um molho de pimenta vermelha, em um prato, segurando-os com os dedos. Os momos podem servir como entrada para uma refeição ou ser a própria refeição.
- Os momos são um dos pratos que, quando servidos no exterior, têm um gosto quase igual ao encontrado ao Tibete - disse Tsering Dolma, funcionário de restaurante que mora na área da Baía de São Francisco.
Desde 1959, quando o Dalai Lama fugiu para a Índia após uma revolta catastrófica contra o governo chinês, que havia incorporado o Tibete uma década antes, muitos tibetanos moraram - e muitos nasceram - no exílio. No início, a maioria permaneceu na Índia, mas há muitos tibetanos também nos Estados Unidos, especialmente mulheres.
- A vida aqui é difícil, mas, na Índia, a concorrência por empregos é impossível. Às vezes, uma mulher sustenta uma família inteira aqui - disse Norbu L. Lama, uma líder de comunidade que vive em Nova York.
Tradicionalmente, as mulheres tibetanas alimentavam suas famílias, enquanto os homens cuidavam dos animais, mas isso mudou em apenas algumas gerações.
- Os homens tibetanos daqui também estão cozinhando bastante - disse Lobsang Wangdu, que vive na área da baía e escreve um blog sobre comida e cultura tibetana no site www.yowangdu.com.
Wangdu disse que em sua família os momos não são comidos no primeiro dia do Losar porque eles se parecem com bolsinhas para guardar dinheiro - e a mente deve se concentrar na purificação e na família, não em trabalho e preocupações financeiras.
Quando viviam como nômades no alto planalto tibetano, quase 2,5 milhões de quilômetros quadrados contornados pelas montanhas do Himalaia, Kunlun e Qilian, a maioria dos tibetanos tinha uma alimentação reduzida: cereais e feijões; legumes de clima frio, como cebola, batata e nabo, e carne, manteiga e queijo derivados de seus rebanhos de iaques.
Na fronteira leste, onde o Tibete é adjacente à província chinesa de Sichuan, pimentões e grãos de pimenta de Sichuan temperam os pratos; no Ocidente, perto da Índia e do Nepal, usa-se cominho e garam masala. A manteiga, porém, é o alimento favorito dos tibetanos, contou Dolma:
- Enquanto houver manteiga e chá, podemos viver em qualquer lugar.
O po cha, um chá forte, que sacia e estimula, feito com bastante manteiga, leite e sal, é bebido por tibetanos em todos os lugares, a todas as horas e em todos os tipos de clima. Tradicionalmente, o Losar é um momento para se reconectar com a família e compartilhar alimentos, mas isso é difícil para os 14 mil tibetanos que vivem nos Estados Unidos.
- Alguns dos ingredientes que utilizamos são os mesmos aqui: a cevada, a aveia, a dania - coentro - gengibre fresco e alho. Mas ter essas coisas e estarmos juntos para preparar os pratos não são a mesma coisa disse Dolma.
Ela conta que liga para parentes na Índia e Nepal para lembrar de como cozinhar os pratos que prepara uma vez por ano, no Losar, como khapse e dresil, arroz doce cozido com açúcar, nozes, passas e manteiga.
A região de Nova York abriga a maior comunidade de tibetanos no país, pelo menos sete mil pessoas, segundo o Escritório do Tibete, em Nova York (o escritório representa a Administração Central Tibetana, o governo autoproclamado do exílio, que tem sede em Dharamsala).
Muitos tibetanos de Nova York vivem a uma parada de metrô de Jackson Heights, uma vizinhança do Queens que há muito tempo absorve e alimenta recém-chegados à cidade. Vinte anos atrás, lojas de doces e barracas de lanche indianas e paquistanesas dominavam a vizinhança; em seguida, chegaram as padarias equatorianas e arepas colombianas.
Agora, muitas ruas estão repletas de bandeiras de oração tibetanas e imagens do Dalai Lama, vitrines estão cheias de anúncios de produtos como momos, mostarda de picles e cartões de telefone para ligar para parentes espalhados pelo Nepal, Butão e Índia. Um novo restaurante, chamado Norling Tibete Kitchen, tem os melhores momos de carne do bairro.
No geral, um dos melhores restaurantes é o Phayul, que fica no final de uma escada estreita, ao lado de um salão de beleza, e geralmente está lotado. A dupla de marido e mulher que cuida do lugar, Chime Tendha e Dawa Lhamo, serve um mix de autênticas receitas típicas do Tibete e pratos com toques indianos e chineses que adquiriu um apelo sentimental junto à comunidade.
O chili de frango, um refogado picante de pimentão verde, frango dourado, cebolas roxas e molho de pimentão vermelho, é servido em quase todas as mesas, juntamente com momos e sepen, uma mistura picante de pimentas secas, alho e coentro. Para comê-lo, os tibetanos pegam pedaços de um pão inchado e espesso cozido no vapor, chamado tingmo, e usam-nos para colher pedaços salgados de frango.
Não há cultivo de arroz no Tibete, e ele não faz sucesso entre os tibetanos, disse Lama, talvez por estar tão intimamente associado à China.
- É estranho, mas quando comemos arroz com a nossa comida, achamos que estamos com fome de novo logo em seguida - afirmou ela.