O nome Marius Gentaz não quer dizer nada para a maior parte dos consumidores de vinho hoje. Mas, para um grupo devotado de amantes dos Côte-Rôties, nenhum nome é mais reverenciado.
Os vinhos da Gentaz-Dervieux são a epítome do fino equilíbrio entre aromas deliciosos e sutis; uma complexidade terrosa, quase animalesca; e texturas delicadas e elegantes que já distinguiram esta que é a designação mais setentrional do norte do vale do Rhône.
Ainda assim, o precioso suprimento desses vinhos está quase acabado. Após a safra de 1993, Gentaz se aposentou, e morreu no ano passado. Colecionadores acumulam as garrafas cada vez mais escassas, a serem compartilhadas em ocasiões especiais com os poucos admiradores.
Tal é o triste panorama enfrentado por pequenas produtoras familiares sem herdeiros prontos a assumirem o negócio após a aposentadoria ou morte de seus condutores. Por todo o mundo do vinho, nomes legendários associados a ótimos vinhos - como Noel Verset do Cornas, Raymond Trollat do St.-Joseph, Giovannini Moresco do Barbaresco e Henri Jayer e Jacky Truchot do Burgundy - estão condenados à história quando não puderem mais fazer vinhos.
Mas, na Côte-Rôtie, a história é mais profunda. O consumo gradual dos vinhos Gentaz-Dervieux representa também o refluxo de um estilo clássico. Sim, ele ainda tem um punhado de excelentes praticantes, mas o perfil da Côte-Rôtie tem sido, como disse certa vez o especialista em vinhos Hugh Johnson, "significativamente reinterpretado".
Hoje em dia, uma garrafa de Côte-Rôtie já não é uma iguaria perfumada, mas antes uma grande e frutada potência e, especialmente quando nova, com a pátina amadeirada que vem do envelhecimento em barris novos de carvalho. Os Côte-Rôties de Guigal são o principal exemplo desse estilo. São excelentes vinhos, mas um afastamento notório do estilo que Gentaz-Dervieux e outros seguiram no passado. Os pródigos elogios que têm recebido dos críticos e os altos preços que alcançam influenciam a opinião de muita gente.
- O tradicionalismo está em perigo - diz Mannie Berk, presidente da Rare Wine Company, uma grande importadora de vinhos, e um defensor evidente dos Côte-Rôties tradicionais.
- Sem uma maior atenção à beleza do Côte-Rôtie tradicional, ele poderá desaparecer no espaço de uma geração.
Por todo o mundo vinícola, a tensão entre técnicas e estilos tradicionais e modernos é bem documentada. E em nenhum lugar isso acontece de forma mais concreta que entre os Barolo e os Barbaresco, na região do Piemonte, na Itália, onde vinte e cinco anos atrás a animosidade dividiu a região em dois campos de batalha.
Ao longo do tempo, no entanto, as posições extremas se amansaram, e muitos produtores moderaram seu tom e suas práticas. Parcialmente, sugere Berk, porque o debate veemente expôs os consumidores aos pontos em debate, permitindo-lhes determinar suas próprias preferências.
- Não houve uma discussão desse tipo na Côte-Rôtie - diz ele.
- Ela é muito diferente do Piemonte, onde há muito mais consciência dos estilos dos produtores, um fato que me parece ter contribuído muito na manutenção da tradição dali.
Berk recentemente organizou um pequeno jantar em Nova York para explorar os vários estilos do Côte-Rôtie. Além dele e de muitos outros da Rare Wine, os convidados incluíam Stephen Grant, que coleciona vinhos do Rhône; Peter Sisseck, proprietário da Dominio de Pingos na Ribera del Duero, na Espanha, cujos vinhos são importados pela Rare Wine, e que estava de passagem por Nova York; e eu. Os vinhos foram selecionados por Berk para representar os diferentes estilos, e incluíam vários da Gentaz-Dervieux.
O nome Côte-Rôtie é em geral traduzido como "encosta assada", em referência ao clima quente. Na verdade, a Côte-Rôtie, uma pequena região menos de 40 quilômetros ao sul de Lyon, próxima à vila de Ampuis, pode ser entendida como o limite climático mais ao norte para o cultivo de uvas syrah. Ela é dominada por uma rede de vinhedos em antigos terraços, numa encosta muito íngreme voltada ao sol que banha as vinhas mais de luz que de calor.
Se hoje os vinhos do norte do Rhône são bem avaliados, há trinta anos eles eram pouco conhecidos. Kermit Lynch, o importador pioneiro dos Gentaz-Dervieux nos Estados Unidos, lembra-se de suas primeiras visitas à região no fim dos anos 1970.
- O norte do Rhône era realmente o mais rústico que se pode imaginar, totalmente perdido no tempo - ele me disse recentemente.
À medida que os vinhos tornaram-se mais conhecidos, a Côte-Rôtie foi naturalmente comparada à Hermitage, sua irmã setentrional do Rhône, apenas um pouco ao sul. No pensamento de gênero de uma língua latina como o francês, os Hermitage, mais robustos e poderosos, foram descritos como masculinos, enquanto os Côte-Rôties, mais delicados e aromáticos, foram ditos femininos.
Reforçando tal impressão havia o fato de que, enquanto os vinhos vermelhos do norte do Rhône são de modo geral cem por cento feitos de uvas syrah, só os Côte-Rôties podiam misturar pequenas porções da uva viognier, que ilumina e perfuma o vinho.
Em nosso jantar, degustamos dezesseis vinhos. Começando com seis da safra de 2006, recuamos no tempo para dois de 1995, dois de 1988, dois de 1982, um de 1980 e um de 1978. A ideia era incluirmos tanto as interpretações tradicionais quanto as modernas, mas rapidamente ficou claro que essa dicotomia era simples demais, e que diante de nós havia toda uma gama de estilos.
Dois dos 2006 eram evidentemente modernos. Um Jean-Michel Gerin Les Grandes Places era dominado pelo carvalho, mas ainda assim pude detectar um agradável olor salgado de carne assada sob o verniz adocicado. Um Cristophe Bonnefond Les Rochain estava lustroso demais, e também tinha sabor de carvalho. Mas um Yves Cuilleron Terres Sobres, também feito com carvalho novo, parecia oferecer mais, com aromas de violetas, frutas luminosas e toucinho. Por quê?
- É feito com os caules - disse Grant.
- Portanto tem algo ali que você não mata com o carvalho novo.
Antigamente, a maior parte dos produtores do norte do Rhône fermentava as suas syrah em cachos inteiros com os caules intactos, mas hoje a maior parte dos produtores remove os caules, que podem conferir taninos duros, mas também um bem-vindo gosto de sal.
Os outros três 2006 não eram tão modernos. O Domaine Jamet era maravilhoso: puro, gracioso e preciso com sabores salgados e multifacetados, além de estruturado - meu tipo de Côte-Rôtie, um vinho que não poderia vir de nenhum outro lugar. Um Côte Blonde importado pela Rare Wine, de René Rostaing (um produtor que era sobrinho de Gentaz e assumiu suas vinhas) era também ele puro, com uma textura elegante e uma expressão amável e clara da fruta, incluindo um toque de damasco.
Em contraste, o Bernard Levet Journaries exibia o lado mais viril, mofado, dos Côte-Rôties, com um aroma não desagradável de celeiro que se transformava no copo, tornando-se carnoso e floral, e então novamente mofado. Este era talvez o sinal de uma redução, uma qualidade do vinho que vem da falta de exposição ao ar. A syrah tende à redução, especialmente quando tratada à moda antiga. O truque para os produtores é conduzi-la de maneira que não desfigure o vinho permanentemente.
Chegou então o momento de recuar no tempo. O Jamet de 1995, onze anos mais velho que os 2006, parecia paradoxalmente menos pronto para ser saboreado. Ainda assim, sua elegância, equilíbrio e beleza eram aparentes. Um Pierre Barge Côte Brune do mesmo ano era mais rústico, adorável, mas sem os aromas e sabores precisos do Jamet. O Jasmin de 1988 infelizmente veio com gosto de rolha. O vinho seguinte foi um 1988 da Gentaz-Dervieux.
Perdoem-me a rasgação de seda, mas que vinho sensacional: aromaticamente lindo, complexo e gracioso, com sabores que permaneciam muito depois de engolir. Esse vinho não era uma expressão de poder, mas de elegância e fineza, e tinha ainda muitos anos pela frente. Se os vinhos poderiam ainda ser feitos assim, por que não o são?
Lynch descreveu Gentaz como um fazendeiro de fala simples, com um tanque de fermentação de cimento, uma prensa de madeira e velhos barris numa garagem. É um modelo local que terá talvez pouco espaço num negócio globalizado.
O futuro foi representado por um Guigal La Mouline 1983. Ele tinha um perfume sedutor de alcaçuz e carne defumada, mas mesmo com trinta anos de idade, os taninos do carvalho estavam ainda aparentes ao palato. Um excelente vinho, sem dúvida, mas a um mundo de distância do Gentaz-Dervieux.
Não mencionarei todos os outros vinhos que degustamos. Os mais significativos foram um lindo Rostaing La Landonne de 1982, e um Gentaz-Dervieux de 1982, que pode ter sido até mais transcendente que o 1988 (embora um de 1980 também estivesse com gosto de rolha).
Alguns produtores ainda trabalham na linha de Gentaz, como Levet e Barge. Muito mais Côte-Rôties seguem o estilo moderno, como Guigal, Gerin e Bonnefond. Mas um meio termo brilhante também existe, com produtores como Rostaing, Jamet, e talvez até mesmo a Cuilleron.
Esses vinhos podem não ser tradicionais no sentido de Gentaz, mas são aquilo que John Livingstone-Learmonth, autor do livro The Wines of the Northern Rhône ("Os vinhos do Rhône do norte"), chama "Côte-Rôties genuínos", que ele disse estarem muito bem de saúde.
Ainda assim, não posso deixar de me sentir tanto honrado por ter tomado esses vinhos Gentaz-Dervieux, quanto melancólico com o fato de o mundo ter hoje poucas garrafas dele pela frente.
- Não há nenhum vinho no mundo que eu teria além desse se eu pudesse escolher - disse-me recentemente Wells Guthrie, proprietário da Copain Wine Cellars na Califórnia. Deve-se notar que o Twitter de Guthrie é (arroba) Gentaz-rulz ("Gentaz é o maior").
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Precioso suprimento desses vinhos está quase acabado
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