A vereadora Mari Pimentel (Novo), presidente da CPI independente que apura supostas irregularidades em compras e na gestão da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed), entregou nesta quarta-feira (29) um relatório paralelo sobre os fatos apurados ao procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, chefe do Ministério Público no Rio Grande do Sul. A parlamentar ainda levará cópias do documento a outros órgãos de fiscalização e controle. Se entenderem como válido, as instituições poderão usar o levantamento como subsídio para eventuais investigações.
A versão resumida soma 24 páginas e descreve a suposta formação de “cartel” para restringir a concorrência e garantir a venda de equipamentos pedagógicos ao governo do prefeito Sebastião Melo. Ainda é detalhada a aparente falta de planejamento nas aquisições, sobretudo de livros, materiais esportivos e tecnológicos, comprados em grandes quantidades e, depois, encontrados sem uso, estocados em galpões insalubres, sob mofo, umidade e fezes de pombos.
O documento assinado pela vereadora Mari destaca que o grupo empresarial integrado por Sérgio Bento de Araújo e Jailson Ferreira da Silva fez seis vendas à Smed em 2022 por adesão à ata de registro de preço, modalidade conhecida como carona por acelerar o gasto público. Sérgio e Jailson, por meio das empresas Inca e Astral, forneceram cerca de 500 mil livros e 104 laboratórios de ciências e matemática à prefeitura. O custo foi de R$ 43,2 milhões.
A conclusão da vereadora destaca que foram puladas etapas de planejamento e que os processos administrativos de compra da Smed contaram com orçamentos do mesmo grupo econômico, o que teria sido feito para dar aspecto de vantajosidade aos preços cobrados pelas empresas fornecedoras. Também é mencionado que a então titular da Smed, Sônia da Rosa, havia adquirido produtos pedagógicos do mesmo núcleo empresarial na gestão municipal de Canoas, onde atuava antes de assumir a Educação na Capital.
Compras sucessivas de livros
Foram destacados os depoimentos de servidoras que declararam à CPI terem sido orientadas pelo gabinete de Sônia a instruir os processos administrativos sempre com os mesmos documentos e orçamentos. Essa prática levou a quatro compras sucessivas de livros pela Smed junto à empresa Inca por adesão à ata de registro de preço, somando gastos de R$ 27,9 milhões. Centenas de caixas destas publicações foram localizadas em galpões e empilhadas em escolas, em locais improvisados, sem aproveitamento.
O documento ainda menciona que o governo Melo tinha necessidade de investir em 2022 os recursos que haviam sobrado do orçamento da educação de 2021, ano de pandemia de coronavírus. Uma legislação federal foi aprovada para que gestores públicos do país pudessem aplicar até 2023 os valores não executados entre 2020 e 2021, sem sofrer as sanções previstas na Constituição.
“Motivado pela necessidade de acelerar os gastos da pasta e escapar das punições por não investir o mínimo constitucional em educação, o núcleo da secretária Sônia da Rosa abriu as portas - e se envolveu diretamente - em ações que causaram danos aos cofres públicos de Porto Alegre. Diversas ligações obscuras conectam a então secretária e suas assistentes a fornecedores em contratos com fortes indícios de irregularidades. Atas de preço com direcionamento para vendedores, orçamentos fraudulentos e fornecedoras com sócios laranja são apenas alguns dos fatos constatados”, diz trecho da conclusão de Mari.
Oficialmente, a elaboração do documento final de uma CPI cabe ao relator, mas os relatórios paralelos são rotineiros e costumam ser apresentados quando um grupo de parlamentares tem opinião divergente. Neste caso, Mari finalizou o parecer na condição de presidente, em via alternativa ao documento que ainda está sendo elaborado pelo vereador Mauro Pinheiro (PL), relator das duas CPIs que foram instaladas na Câmara para apurar as possíveis ilegalidades na Smed. Pinheiro é aliado do governo Melo e as conclusões dele, previstas para serem apresentadas nos próximos dias, tendem a ser mais focadas em problemas de logística para distribuir os materiais adquiridos.
Além da CPI presidida por Mari, outra comissão parlamentar foi criada para investigar os mesmos fatos por iniciativa do líder do governo na Câmara, vereador Idenir Cecchim (MDB). Ambas foram instaladas no início de agosto. Como o prazo de apuração é de 120 dias, os relatórios finais devem ser apresentados e os trabalhos encerrados até 5 de dezembro.
Contrapontos
O que diz a Smed
"A Secretaria Municipal de Educação (Smed) não vai se pronunciar a respeito de relatório paralelo, que não cumpre os ritos legais. A pasta se manifestará somente após o documento oficial apresentado pelo relator eleito para as duas comissões. Cabe salientar, por fim, que as ocorrências de ambas as CPIs são objeto de apuração pela própria gestão, a partir de determinação do prefeito Sebastião Melo."
O que diz Jailson Ferreira da Silva
O empresário afirmou que não tem conhecimento do conteúdo do relatório paralelo e, por isso, não fará nenhuma manifestação. Ela declarou ter colaborado desde o princípio e prestado esclarecimentos às vias oficiais das CPIs da Smed.
O que diz Sônia da Rosa
A ex-secretária se manifestou a partir de nota enviada pelo advogado Pedro Henrique Poli Figueiredo: "O relatório da vereadora Mariana Pimentel não foi incluído no processo até o horário da reportagem. Lamentamos que tenha sido entregue à imprensa antes de disponibilizar oficialmente no processo. Confiamos que a Câmara vá fazer uma apreciação da prova no relatório final. A secretária Sônia sempre teve atuação republicana e adequada à lei. Todas as contratações foram feitas com o aval do controle interno e da PGM. A utilização de atas de registro de preços é prática lícita que usa licitação já homologada e com preços que já foram aferidos pelos órgãos de controle. Como os entes públicos têm o dever de realizar despesas com educação em percentual mínimo estabelecido na Constituição, a ata de registro de preços é um instrumento largamente usado em todas as esferas de nossa federação."
O que diz Sérgio Bento de Araújo
A reportagem não localizou o empresário Sérgio Bento de Araújo.