Um homem de 70 anos que se diz médium desde a década de 1990 agora é réu na Justiça acusado de abusar de uma mulher durante supostos atendimentos espirituais. Esse caso trouxe à tona relatos de supostos abusos sexuais contra crianças e adolescentes, mas em que vítimas decidiram quebrar o silêncio para servirem como testemunhas na investigação contra Alberto Otávio Deluchi.
A primeira ocorrência contra Deluchi chegou em maio deste ano na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), que indiciou o homem por um estupro de vulnerável e por dois episódios de violação sexual mediante fraude. A esposa dele, Arlete Sommer Deluchi, também responde por ter auxiliado o marido no crime nos casos de violação.
— Não podemos afirmar que ele é médium. Importante observar que os crimes acontecem contra vulneráveis, ou seja, crianças abaixo de 12 anos ou pessoas vulneráveis pelo estado de doença, estado de saúde. Pessoas que precisam se curar, que precisam de ajuda espiritual. Ele, com a desculpa de que é médium, acaba cometendo esses crimes — afirma a delegada Fernanda Campos Hablich, que ouviu quatro vítimas no inquérito policial.
O estupro que deu origem à investigação aconteceu em 2017, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital privado de Porto Alegre, onde a vítima estava internada após complicações por uma cirurgia de câncer no estômago. Antes disso ela já havia sido vítima de importunação sexual na casa do médium e da esposa, depois de uma sessão de reiki.
— A esposa dele pediu para que meu marido fizesse também, para a minha cura. Eu fiquei sozinha com ele, que me convidou para que fosse com ele até a cozinha, onde começou a emitir sons, como se um espírito tivesse baixado nele. Dizem que ele tem um espírito indígena curador. Ele começou a passar a mão em mim e me apertar como se quisesse que eu sentisse o pênis dele — recorda a mulher, que na época se sentiu incomodada, mas acreditou que se tratava de uma parte do ritual.
Na semana seguinte, o casal voltou à casa de Alberto para uma nova sessão, mas combinaram de não ficarem separados. A mulher recorda que houve uma pressão da esposa do médium para que o marido dela realizasse a sessão. Novamente, a vítima e Alberto ficaram sozinhos e ele novamente teria tentado o abuso, mas ela pediu para parar e rompeu o contato.
A mulher conta que em seguida passou por uma cirurgia por conta da doença e sofreu complicações, que implicaram numa internação durante um ano na UTI. Em um dia aleatório, Alberto apareceu para visitar, com a desculpa de um atendimento espiritual.
— Ele chegou com a desculpa que estava próximo do hospital e havia sentido um chamado que tinha que me visitar. Eu estava com a minha mãe e ele pediu para que ela fechasse os olhos. Eu estava com meu abdômen aberto. Ele colocava a mão abaixo do corte e dizia que eu precisava avisar os médicos que meu problema não estava ali (no estômago) e sim aqui. Eu estava de fralda e ele colocou a mão por dentro — lembra a mulher.
Após se recuperar da cirurgia, a mulher não denunciou o caso, mas o marido comentou com outros conhecidos do médium o que havia acontecido. No fim do ano passado, três mulheres que dizem ter sofrido abusos na década de 1990 souberam da situação e decidiram procurar essa vítima. Como o caso delas havia prescrito, pediram para que ela fizesse a denúncia, o que só ocorreu neste ano.
— Os fatos (da década de 1990) estão prescritos, ele não foi indiciado por esses crimes. Mas com certeza o conhecimento que a gente tem desse modus operandi desse indiciado, propicia que sua pena base seja mais elevada e a gente possa apurar a periculosidade, principalmente impedir que ele faça isso com novas vítimas — explicou a delegada Fernanda.
O inquérito serviu como base para denúncia do Ministério Público, que também se manifestou favorável à prisão. O primeiro pedido foi negado, mas as autoridades recorreram por entender que ele oferece risco à sociedade.
— Os três fatos são levados a efeito com essa ênfase, com o fato de se aproveitar daquele momento de espiritualidade, de crença dessas pessoas para a prática do ato — declarou o promotor José Nilton Costa de Souza, responsável pela denúncia.
Na Polícia Civil, Alberto e Arlete negaram a autoria de qualquer crime e atribuíram os casos à mediunidade dele.
— Ele disse que incorpora entidades mais agressivas que se manifestam por meio do toque. Ele e a esposa têm o mesmo discurso. Eles justificam o recebimento de uma entidade chamada exu, que é mais agressiva e que precisa se manifestar por toques lascivos. Justificativa totalmente inócua, mentirosa e inverossímil — declarou a delegada.
A Polícia Civil pede para que eventuais vítimas, até de casos que prescreveram, busquem a Delegacia da Mulher para prestar depoimento.
Contraponto
O que dizem Alberto Otávio Deluchi e Arlete Sommer Deluchi
A reportagem encontrou Alberto em frente à sua casa, na zona norte de Porto Alegre. Questionado pelo repórter Jonas Campos, da RBS TV, se pretendia se manifestar, o homem fez sinal negativo com a mão.
GZH ainda buscou contato com ele por meio de ligações, que caíram na caixa postal, e por aplicativo de mensagem. Os pedidos de posicionamento foram visualizados, mas não respondidos.
O advogado Marcus Vinicius Boschi, que defende o casal no processo, informa que não pode se manifestar em respeito ao sigilo decretado pelo Tribunal de Justiça.
O que diz a Federação Espírita do Rio Grande do Sul
A Federação Espírita do Rio Grande do Sul se manifestou por meio de nota, afirmando que Alberto não tem vinculação com qualquer equipe federada, e que há anos ele foi voluntário em um centro espírita, de onde foi afastado por "não seguir as diretrizes". Leia a íntegra abaixo:
"A Federação Espírita do RS, que tem como finalidade a unificação, orientação e organização do Movimento Espírita do Estado, comunica que suposto médium envolvido no caso não tem nenhuma vinculação com a instituição ou com qualquer equipe federativa.
Em contato com a administração da Sociedade Espírita João Cardoso de Mello, que é uma instituição federada, a diretoria informou que Alberto já foi voluntário do Centro Espírita, porém há anos não está envolvido nas atividades da Sociedade pelo fato de não ter seguido as diretrizes de funcionamento da instituição.
A Fergs orienta que o serviço de assistência espiritual não deve ocorrer isoladamente, apenas com a presença do médium e da pessoa assistida. O Espiritismo não tem relação com abusos da mediunidade, práticas de curandeirismo ou condutas que firam a dignidade da pessoa humana, o que são atitudes contrárias à sua Doutrina, de outro modo, recomenda sempre o respeito ao próximo, o exercício da mediunidade baseada na caridade cristã e a busca de auxílio especializado de profissionais da saúde a todas as pessoas que o procuram por conta de enfermidade.
A Federação Espírita do RS lamenta a situação e se solidariza com as vítimas do caso."