Proibida de participar de licitações até o final de 2021 e alvo de ações trabalhistas por dívida com empregados, a DH Soluções em Serviços Ltda. está com atividades sob risco por desrespeitar contratos com órgãos públicos.
Em novembro, a Defensoria Pública do Estado (DPE) rescindiu vínculo com a empresa, a quem terceirizava serviços, porque ela não pagava em dia salários dos empregados. A Polícia Civil reteve repasses à firma por falta de comprovante de quitação de contribuições fiscais, também resultando atraso de pagamento a funcionários.
- O modo de agir da DH é semelhante ao da maioria de um conjunto de 19 prestadoras de serviços investigada por irregularidades, conforme revelado em reportagem do Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS. Desde 2008, as empresas receberam R$ 1 bilhão em contratos, devem à União R$ 128,4 milhões em impostos federais, respondem a 11 mil ações trabalhistas e acumulam dezenas de proibições para participar de licitações no Brasil. Leia abaixo, nota do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio Grande do Sul.
Em 10 anos, a DH recebeu R$ 3,7 milhões em contratos com entes públicos federais e estaduais e deve R$ 470,4 mil ao Fisco. Em meados de janeiro deste ano, a empresa assinou contrato de 12 meses com a Defensoria Pública Estadual, fornecendo 14 trabalhadores, entre motoristas, ascensoristas e recepcionistas, e firmou dois contratos emergenciais (de seis meses de duração), entre agosto e setembro, com a Polícia Civil — um para serviços de limpeza em delegacias das regiões de Bagé, Santa Cruz do Sul e Cachoeira do Sul, e o segundo para as mesmas atividades em unidades das regiões de Santa Maria, Alegrete, Santana do Livramento e Santiago.
Pouco antes de completar 60 dias de trabalho na Defensoria, iniciado em março, a DH deixou de apresentar garantia contratual, resultando em multa de R$ 15 mil. Em nove meses, a empresa recebeu 12 comunicações de irregularidades, além de quatro notificações — duas por atrasar salários dos empregados e a última de cancelamento do contrato, em 21 de novembro.
A Polícia Civil abriu três processos administrativos contra a DH — que podem resultar em multas — por demora na apresentação de certidões negativas de débitos de contribuições sociais. Esses débitos são referentes aos dois contratos emergenciais e a um terceiro, em vigor desde setembro de 2018, para limpeza em delegacias das regiões de Santa Rosa, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo.
Os contratos somam 144 postos de trabalho. Sem os documentos, a Polícia Civil não paga pelos serviços, e atrasa os salários dos empregados da DH. Em um dos contratos, os comprovantes da DH referentes a outubro foram entregues à Polícia Civil em 3 de dezembro.
Há pelo menos quatro anos, a DH tem contratos com órgãos federais, estaduais e municipais. No começo de janeiro, a empresa foi proibida de participar de concorrências durante 24 meses pela Central de Licitações do Estado (Celic). Motivo: apresentou informações supostamente falsas em um pregão.
A empresa recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado, e a proibição foi suspensa temporariamente, liberando a DH para participar de licitações e ser contratada pela DPE e pela Polícia Civil. Em 6 de novembro, a liminar foi derrubada na Justiça, e a punição voltou a valer, desta vez, até setembro de 2021.
— Enfrentamos dificuldades com esta empresa. Por questões de segurança jurídica, só efetuamos os pagamentos pelos serviços após receber todos comprovantes de impostos, e a DH atrasou a documentação nos últimos meses. Agora está regularizando. A situação é delicada. Empresas terceirizadas vencem as licitações e ficamos sem opções. As instituições também viram vítimas. Se os empregados da DH não receberem seus salários, procurem o sindicato da categoria e saibam que o repasse não foi realizado por falta de documentos e desorganização da empresa — afirma a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor.
A delegada acrescenta:
— Se a empresa mantiver essa conduta, os contratos serão rompidos.
Uniforme da DH com emblema da Multiágil
Empregados da DH Soluções em Serviços que trabalhavam para órgãos públicos usavam uniforme com as letras "DH" bordadas no peito. E, sob o emblema, havia a marca da Multiágil Limpeza, Portaria e Serviços, empresa proibida de participar de licitações com organismos públicos até setembro de 2020 e com R$ 45,5 milhões em dívidas com o fisco.
A DH nasceu em 2007 como empresa de telemarketing, em Gravataí, e já teve oito donos e seis endereços. Além do uniforme, a suspeita de que ela é sucessora da Multiágil é reforçada por outros fatos.
A DH já teve como localização oficial o estacionamento da Multiágil, na Rua Luzitana, no bairro São João, em Porto Alegre. Mais: o empresário Fagner Fernandes Pinheiro foi sócio das duas empresas. Além da DH e Multiágil, ele também já foi sócio da Forte Sul Serviços Terceirizados (com dívidas federais de R$ 12,9 milhões e proibida de ser contratada até outubro de 2020).
Fagner aparece em cadastros de pessoa jurídica da Receita Federal como atual sócio da Zorya Segurança e Vigilância Patrimonial, que deve R$ 4 milhões em tributos federais e está impedida de participar de licitações até setembro de 2020. Também aparece como sócio da Laboralr Monitoramento, que tem dívida de R$ 13 milhões com o Fisco.
A Multiágil, a Forte Sul, a Zorya e a Laboralr fazem parte de um conjunto de 19 empresas investigadas por lesar empregados e contratantes. A reportagem de GaúchaZH esteve no endereço da Laboralr e encontrou o prédio vazio. Segundo vizinhos, está fechado há seis meses. Na sede da Zorya funciona outra empresa.
Com débitos de R$ 470,4 mil perante à União, a DH, atualmente, está em nome de Iara Regina Machado Figueira. Empregada da empresa há sete anos, ela vive em uma casa modesta, nos fundos de outra residência em uma vila popular de Alvorada, na Região Metropolitana.
Iara se tornou proprietária da DH em abril de 2018, pagando R$ 150 mil, conforme registro na Junta Comercial do Estado. Foi ela quem assinou contratos com a Defensoria Pública do Estado e com a Polícia Civil, embora não tenha comparecido nas duas instituições — é comum os contratos serem entregues pelas terceirizadas já assinados.
Localizada pela reportagem de GaúchaZH, Iara admitiu desconhecer detalhes da gestão da empresa.
— Eu não participo muito de lá, dos negócios. Tem pessoas específicas. Vocês têm de fazer entrevista com o pessoal que cuida da DH. Eu não sei muito da DH, não sei o que está acontecendo. Esses negócios de pagamento não sou eu quem cuida — afirmou.
Contraponto
A reportagem de GaúchaZH esteve duas vezes na DH, em Porto Alegre. Um funcionário disse que quem poderia falar pela empresa seria Artur dos Reis, que não foi localizado. Entretanto, uma pessoa se dizendo Marcos Munhoz, diretor-administrativo da DH, ligou para a redação de GaúchaZH.
Segundo ele, a empresa deve apenas um mês de salários aos empregados que trabalhavam na Defensoria Pública do Estado. O atraso, segundo Munhoz, foi motivado por falta de repasse de R$ 120 mil por parte da Defensoria. Ele também afirmou que a empresa não foi comunicada da rescisão do contrato e desconhece demissão de empregado por justa causa.
Sobre o atraso de salários com empregados que trabalham em delegacias da Polícia Civil, afirmou que a DH não estaria recebendo por causa da crise financeira do Estado. Ele também negou vínculo da DH com a Multiágil e que jaleco da DH com a logomarca da Multiágil pode ser reaproveitamento de material de fornecedor.
Nota da Redação: a única fatura da Defensoria pendente com a DH corresponde ao período de 20/10 a 21/11, para descontar faltas dos empregados da DH - a maioria deixou de trabalhar em 4 de novembro, quando a empresa parou de pagá-los. O valor da fatura é R$ 44.011,06. A empresa foi notificada do problema, e em 21 de novembro, a Defensoria divulgou em seu diário eletrônico a súmula 326/2019, informando a rescisão do contrato. Sobre contratos com a Polícia Civil, a corporação pagou a DH semana passada pelo serviços de outubro, após receber documentos que até então não tinham sido apresentados.
A reportagem procurou Fagner Fernandes Pinheiro, deixou recado com uma funcionária dele, mas não obteve retorno.
NOTA DO SINDICATO DAS EMPRESAS DE ASSEIO E CONSERVAÇÃO DO RS
Na condição de presidente do Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Rio Grande do Sul (SINDASSEIO RS), manifesto-me com o objetivo de ressaltar que tais episódios decorrem, em grande parte, de deficiências nos processos de contratação utilizados pelo Estado brasileiro em todas as suas instâncias.
Nas atividades humanas, sejam econômicas, políticas, profissionais e até mesmo religiosas, há bons e maus participantes, e os descaminhos devem ser sempre corrigidos e combatidos. O que evita transtornos, prejuízos e por vezes danos irreparáveis, são o correto planejamento, os mecanismos de controle e a consistência dos marcos regulatórios. Tenho certeza que este não é um fato isolado e que este tipo de ocorrência pode ser encontrado em vários estados e municípios de todo o Brasil.
Por isso é importante chamarmos a atenção para o processo de contratação. As contratações de serviços, em muitos casos, são tratadas pelo poder público da mesma forma como se estivessem comprando canetas ou uma mercadoria de consumo qualquer. As contratações de serviços, principalmente daqueles que envolvem um grande número de trabalhadores, como os de asseio e conservação, demandam cuidados especiais na elaboração do edital e na escolha da melhor proposta para Administração (quase nunca a mais barata), e não somente após a assinatura do contrato.
As licitações por meio de pregão eletrônico com o critério de menor preço e a absoluta falta de responsabilização dos pregoeiros quanto ao resultado de suas seleções acabam gerando, muitas vezes, precarização de contratos, de serviços e de direitos. E as consequências dessas deficientes contratações são sofridas pelos empregados das empresas, pelo Estado e pela sociedade de maneira geral, que acaba pagando dobrado pela má qualidade das contratações públicas. Pagam a conta financeira e pagam a conta da falta dos serviços.
É necessária uma atenção séria e profunda sobre esse tema. Do contrário, seguiremos lendo matérias desse tipo, que são o resultado de um processo equivocado desde o início.
Ricardo Ortolan
Presidente do SINDASSEIO RS