Se a Câmara Recursal da Justiça do Rio Grande do Sul resolveu adotar interpretação que absolve os exploradores do jogo de azar, apesar de existir legislação em vigor classificando a prática como contravenção, o Supremo Tribunal Federal (STF) tratou de reverter algumas dessas decisões, mantendo donos de casas de máquina caça-níquel na condição de infratores.
O Judiciário gaúcho deixou de condenar maquineiros com o argumento de que a lei das contravenções, de 1941, é antiga, desconexa da realidade e movida por questões religiosas. Juízes locais também entendem que proibir o jogo de azar é uma afronta ao direito constitucional ao livre arbítrio. Diante dos fatos, o Ministério Público Estadual recorreu ao STF e obteve vitórias. O ministro Edson Fachin reverteu diversas decisões da Justiça regional e manteve o ato de explorar o jogo como ilegal, passível de penalização. Ele chegou a determinar que a Câmara Recursal fizesse a reanálise de julgamento.
– Nos nossos recursos, contrastamos todos os argumentos e demonstramos que o jogo de azar está umbilicalmente ligado a outras condutas danosas, como a lavagem de dinheiro, sonegação e receptação. Essa tese da Câmara Recursal (de não condenar exploradores de jogo) é recente e foi impugnada no STF – diz João Pedro de Freitas Xavier, promotor e assessor da Procuradoria de Recursos do Ministério Público Estadual.
Em decisão de setembro de 2016, Fachin destacou que "se em determinadas situações os jogos de azar desempenham função de lazer de inexpressiva ofensividade, em outras, podem exibir contornos mórbidos", escreveu o ministro, relatando que o "jogo patológico" é classificado como "transtorno psiquiátrico" por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ele ainda rebateu o argumento de juízes gaúchos de que a lei de contravenções cerceia o direito ao livre arbítrio.
"Importante salientar que o âmbito proibitivo da norma restringe-se ao agente que estabelece ou explora jogos de azar. O alvo da censura penal, portanto, é o agente que persegue lucro a partir da submissão de terceiros a jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte, com potencial de atingir a dignidade alheia".
Dois meses depois dessa decisão de Fachin, em novembro de 2016, o STF, ao analisar outro recurso do MPE, declarou a "repercussão geral" da matéria. Isso significa que os 11 ministros da Corte deverão julgar conjuntamente se a exploração de jogo de azar segue ou não sendo um delito. O que ficar decidido por eles, valerá como norma a ser seguida em todo o país. Enquanto o martelo não for batido pela Corte máxima, os novos recursos que chegarem sobre a temática ficam em compasso de espera.
– Pelo menos um ministro do STF já disse que é constitucional a proibição ao jogo de azar, tendo como fundamentos a questão da saúde, vício e dependência – comenta Freitas Xavier.
Reportagem do Grupo de Investigação (GDI) da RBS mostrou como Porto Alegre está infestada por máquinas caça-níquel, com casas clandestinas que oferecem risco à vida das pessoas. Em um bar que conta com sala escondida para a jogatina, é providenciada até mesmo a telentrega de cocaína.