Sentado no banco dos réus da 6ª Vara Criminal do Fórum Central da Capital, em novembro de 2012, o advogado porto-alegrense Faustino da Rosa Junior reconheceu:
– Fiz essa baita bobagem, dei um tiro no pé na minha carreira profissional (...). Minha única vontade era garantir a vaga, um trabalho, já fazia cinco anos que estava formado e não conseguia trabalho (...). Venho de uma família bastante pobre.
As frases fazem parte de um depoimento de quatro páginas no qual Faustino confessou ter aplicado golpe contra o Instituto de Previdência do Estado (IPE), em Porto Alegre. Criado no bairro Glória, o advogado à época se dizia sem alternativas, mas hoje, aos 34 anos, se apresenta como um dos maiores empresários do setor de Ensino Superior no país, até pouco tempo atrás CEO do Grupo Educacional Facinepe, com 6 mil alunos.
Foi ludibriando o IPE que Faustino alcançou o primeiro lugar em concurso público de agosto de 2010. Em janeiro do ano seguinte, assumiu como analista em previdência e saúde, e logo adotou comportamento que surpreendeu antigos servidores. Conforme relato à Justiça, o advogado não queria trabalhar às sextas-feiras e pretendia ocupar a sala de um procurador, que estava em férias, chegando até a mudar a disposição dos móveis. Ao mesmo tempo, divulgou em seu currículo na internet que era "procurador-chefe do IPE", cargo que não existe.
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As atitudes levaram a direção a abrir sindicância. Com a checagem de documentos, o espanto foi ainda maior. Faustino tinha somado pontos na prova de títulos com seis documentos falsos:
- Três certificados de pós-graduação pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
- Dois de pós-graduação pelo Instituto Educacional do Rio Grande do Sul.
- Um diploma de doutorado em Direito na Argentina, revalidado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Questionadas judicialmente no processo movido pelo IPE, as instituições consideraram as falsificações grosseiras. A FGV apontou as falhas mais gritantes. Os cursos citados nos certificados não existiam e o nome da fundação foi impresso errado, com acréscimo de acento agudo no "u" do nome Getulio, inexistente na grafia autêntica da fundação.
Por causa da falsificação, Faustino foi demitido do IPE "a bem do serviço público" quatro meses depois de tomar posse. No âmbito judicial, a farsa levou à condenação do advogado a dois anos de reclusão por uso de documento falso, confirmada pelo Tribunal de Justiça em 2013, quando Faustino já trabalhava no Facinepe. A pena foi convertida em prestação de serviços comunitários, mas Faustino não cumpriu a decisão, sob o argumento de que viajava muito a trabalho e perderia a fonte de renda da família e dos pais. Quitou a pena com uma multa de R$ 21,1 mil, paga à vista.
Professor com diplomas falsos em Maringá
A fraude contra o IPE não foi a única "bobagem" de Faustino. Pouco tempo antes, foi admitido como professor de pós-graduação em uma faculdade de Maringá, no norte do Paraná, apresentando três diplomas falsos. A pedido da instituição, ZH não divulga o nome do local. Em um primeiro momento, o golpe também passou despercebido. Mas, em uma aula, Faustino teria se desentendido com uma aluna, médica, e deu voz de prisão a ela, alegando ser procurador do Ministério Público Federal (MPF).
O episódio causou mal-estar na faculdade e, dias depois, a fraude dos diplomas veio à tona. Faustino acabou perdendo o emprego mais uma vez. O caso gerou processo que tramita na 3ª Vara Criminal de Maringá. O advogado é acusado de uso de documento falso (três vezes) e de falsidade ideológica.
Só falta ser ouvido para ser encerrada a instrução do caso – em 3 de fevereiro, uma carta precatória foi encaminhada à Justiça gaúcha solicitando o interrogatório dele. Caso seja condenado novamente, como não é mais réu primário, o advogado perde o direito de conversão da pena. A punição e o regime podem ser agravados e mandá-lo para a cadeia.
Quase em paralelo aos dois episódios, Faustino provocou embaraço ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), organismo do Ministério da Educação (MEC). Intitulando-se doutor em Administração, fez cadastro no Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Basis). E, em setembro de 2010, entrou para a equipe que analisa pedidos para abertura de novas faculdades e cursos.
Em fevereiro de 2011, reunião da Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação (CTAA) decidiu que Faustino só seria mantido no banco de avaliadores se apresentasse os diplomas de doutorado e de graduação em Administração. Dois meses depois, o advogado pediu para sair. Após o episódio, o Inep alterou a forma de cadastro no banco e criou espaço em seu site para faculdades opinarem sobre a conduta dos avaliadores.
A partir daí, o advogado deu uma guinada na vida. Conhecedor do ramo, foi trabalhar como vendedor de cursos de pós-graduação lato sensu – que não conferem a qualificação de mestre, mas ampliam conhecimentos e cujos certificados podem ajudar a somar pontos em prova de títulos de concursos públicos.
Faustino se tornou professor e dono do Instituto Nacional de Ensino, Pós-Graduação e Extensão (Inepe), criado em abril de 2011. A instituição começou em uma sala e ocupa hoje pelo menos 10, em três andares no Centro de Negócios Nature, na Avenida Bento Gonçalves, bairro Partenon, em Porto Alegre. Mais tarde, Faustino passou a se apresentar como CEO do Grupo Educacional Facinepe, empresa instalada no mesmo prédio.
Dono de curso e faculdade, advogado virou reitor
Embora no cadastro da Receita Federal Faustino não apareça como sócio do Facinepe e do Inepe, é o advogado quem dá as ordens. Decide, inclusive, sobre quem pode ou não ter acesso à empresa. Em dezembro de 2015, um fiscal do Ministério do Trabalho foi barrado ao tentar entrar. O servidor federal faria inspeção para averiguar suspeita de emprego irregular. Como teve sua atividade cerceada, registrou queixa na Polícia Federal (PF), e o caso chegou ao MPF. Faustino e um ex-porteiro do prédio foram denunciados por crime de desobediência à ordem de funcionário público (a punição é de até seis meses de prisão). O processo tramita na 22ª Vara Federal da Capital e tem audiência marcada para 27 de abril.
À medida que o negócio se expandiu, o Facinepe passou a oferecer cursos fora do Estado. Todos os certificados de conclusão eram emitidos em nome de duas faculdades paranaenses conveniadas. Mas, em 2015, Faustino decidiu que já era hora de ter sua própria faculdade. Localizou em uma rua de chão batido na Vila Palmeirinha, em São Mateus do Sul (PR), cidade de 45 mil moradores a 156 quilômetros de Curitiba, a Faculdade Centro Sul do Paraná (Facspar) – desativada e com credenciamento do MEC vencido.
A Facspar foi aberta em 2009, mas fechou dois anos depois. Recebeu autorização preliminar do MEC, pelo prazo de três anos, para o curso de graduação em Administração. Teve cerca de 25 alunos, mas não formou nenhum por causa da ruína financeira, e o curso nem chegou a ser reconhecido pelo ministério.
Um advogado representando o Facinepe acertou a aquisição dos documentos da Facspar por meio de um termo lavrado em 21 de fevereiro de 2015 no Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas de São Mateus do Sul. O contrato expressa a "cedência de direitos", sem citar valores, mas ZH apurou que o negócio custou R$ 80 mil.
A partir daí, o grupo Facinepe passou a ser mantenedor da Facspar, e Faustino, "magnífico reitor" da faculdade. ZH esteve na Rua Padre Zygmundt, em São Mateus do Sul, onde seria a sede da instituição, e encontrou os portões fechados. O grupo Facinepe alega ter pedido ao MEC alteração de endereço para a Rua Brasilio Yacyszyn, na mesma cidade. Lá a reportagem encontrou um galpão vazio, onde funcionou uma prestadora de serviços da Petrobras. Na frente do pavilhão, há uma placa com a frase "Breve novas instalações da Faculdade Centro Sul do Paraná" e dois números de celulares de contato. Um não completa ligação, e o segundo é atendido em um supermercado de União da Vitória, cidade distante 80 quilômetros de São Mateus do Sul.
Embora o Grupo Facinepe afirme que a Facpsar está "ativa, regular e operante", autoridades de São Mateus desconhecem a existência dela. O secretário de Educação, Jorge Manfroni, afirma que há quatro instituições de Ensino Superior na cidade. Nenhuma é a Facspar.
– Tenho conhecimento da época em que tinha atividade. Hoje não existe mais.
Na Secretaria Municipal de Finanças, não há cadastro nem alvará relacionados à Facspar. O prefeito Luiz Adyr (PSDB) está no quarto mandato e é enfático:
– Desconheço a existência (da Facspar) no nosso município. Existiu no passado, agora, no momento, não existe. Faz tempo que está com as portas fechadas.
Carros, ternos e heróis
Do infortúnio no IPE ao comando do Facinepe, Faustino da Rosa Junior juntou dinheiro suficiente para comprar, ao menos, 17 imóveis entre salas comerciais no edifício onde funciona o grupo e apartamentos no condomínio onde mora – prédios vizinhos, no bairro Partenon, na Capital.
Carros são uma das paixões do advogado. Já disse em entrevista que gostaria de ganhar de presente um Corvette, embora tenha uma frota de 12 automóveis entre Mustang, BMW Z4S, Camaro e dois Porsche – um Cayenne, 2011, e um Boxster, 2013, cada um valendo cerca de R$ 300 mil.
Faustino se orgulha de aparecer em programas de TV para falar sobre direito médico e, como é praxe entre advogados, sempre veste terno e gravata. Faz questão de usar apenas os da marca Hugo Boss. Até os sapatos e o perfume são da grife alemã.
Faustino também tem adoração por super-heróis. Nas horas de distração, gosta de se fantasiar de Capitão América ou de Homem de Ferro – seu personagem preferido. Em 2015, alugou uma sala de cinema de um shopping da Capital só para ele e funcionários assistirem a um filme com aventuras de seus ídolos. Ano passado, fechou uma sofisticada churrascaria da Zona Sul para comemorar os cinco anos da empresa com a presença de amigos e políticos. E a entidade recebeu homenagem na Câmara de Vereadores.
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AS AÇÕES DE FAUSTINO
O Grupo Facinepe/Inepe
- Empresas com sede no bairro Partenon, em Porto Alegre, que oferecem cursos de pós-graduação lato sensu, a maioria na área médica.
- O grupo Facinepe/Inepe foi criado em 2011 e, até 2015, os certificados de conclusão dos cursos ofertados eram emitidos em nome de duas faculdades paranaenses conveniadas.
- Há quatro anos, o grupo tenta credenciar no Ministério da Educação (MEC) duas faculdades com nomes Facinepe e Inepe, mas os pedidos foram negados pelo ministério por suspeitas de irregularidades. Em 20 de fevereiro deste ano, o MEC publicou duas portarias abrindo processos administrativos contra as duas faculdades e proibiu cautelarmente o ingresso de alunos.
A Facspar
- Como o Facinepe/Inepe nunca teve uma faculdade e, por consequência, não poderia emitir sozinho certificados de seus cursos, em fevereiro de 2015, o grupo se tornou mantenedor da Faculdade Centro Sul do Paraná (Facspar). Com os direitos sobre a instituição, os certificados dos cursos de pós-graduação são emitidos em nome dela.
- A Fascpar está fechada desde 2011. Nunca teve curso de graduação reconhecido pelo MEC e está com credenciamento vencido desde 2012.
- O grupo Facinepe/Inepe já solicitou ao MEC dois recredenciamentos para a Facspar, mas a pasta os rejeitou porque a instituição não preencheu formulário eletrônico do cadastro. Um terceiro pedido está em análise pelo ministério, que mandou técnicos visitarem a sede da faculdade, encontrada fechada. Um parecer sobre o caso deve ser divulgado em breve.
- Conforme a legislação, o Facinepe/Inepe só poderia oferecer cursos de pós-graduação se estivesse vinculado a uma instituição de Ensino Superior devidamente credenciada pelo MEC, o que não é o caso da Fascpar.
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CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
Entenda a diferença entre as modalidades
Stricto sensu
- Programas de mestrado e doutorado para diplomados em cursos de graduação por instituições credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC). Voltados para quem deseja atuar no ramo da educação como docente ou pesquisador, estão sujeitos às exigências de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento pelo MEC. Os formandos recebem diplomas chancelados pelo ministério. O tempo mínimo para conclusão de mestrado e de doutorado é de, ao menos, um a dois anos, respectivamente.
Lato sensu
- Cursos destinados ao aperfeiçoamento profissional e melhoria de desempenho em determinada ocupação, como Master Business Administration (MBA), organizado por instituições de Ensino Superior credenciadas pelo MEC. A oferta dos cursos independe de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento pelo ministério. O tempo mínimo é de 360 horas. Os formandos recebem certificados de conclusão, em vez de diplomas, que devem ter registro próprio na instituição credenciada que os ofereceu.
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CONTRAPONTOS
O que diz Faustino da Rosa Junior
Procurado pela reportagem junto ao Facinepe, informou que se afastou da instituição por razões que prefere não informar e que não se manifestaria individualmente.
O que diz o grupo Facinepe
- Sobre Faustino e diplomas falsos emitidos para ele e funcionários da Facspar:
Por meio de nota, afirma que Faustino "não é mais CEO do Grupo Educacional Facinepe" e que a informação da emissão de diplomas falsos "não é verdadeira".
- Sobre diploma falso entregue ao médico Thomas Stockmeier:
"A instituição foi vítima de má-fé e condutas criminosas" de Stockmeier "que produziu certificado(s) para si".
- Sobre processo por apresentação de diplomas falsos ao IPE e à faculdade de Maringá:
"Faustino errou, assumiu e ressarciu, voluntariamente, a administração (do IPE). O processo de Maringá (...) foi instaurado a partir de falsa denúncia."
- Sobre processo contra Faustino por impedir fiscalização do Ministério do Trabalho:
Diz que "não recebeu nenhuma intimação sobre o assunto", que "a instituição estava fechada no momento da visita do auditor e que Faustino não teve qualquer relação com o fato".
- Sobre o cadastro de Faustino com informações falsas no banco de avaliadores do MEC:
"Jamais houve cadastramento de informações falsas. Aliás, tal alegação configura crime. Houve um pedido voluntário de exclusão."
- Sobre a obra embargada na Rua Tremembé e o inquérito aberto pelo Ministério Público:
Afirma que a construção "está em processo de regularização" e que o grupo "desconhece o termo 'Ibemed' ou qualquer empresa com esse nome". Acrescenta que "não tem qualquer sentido as alegações sobre relação pessoal" de Faustino com o ex-prefeito José Fortunati, "o que gerará responsabilização cível e criminal dos eventuais denunciantes" e que "Faustino desconhece esta investigação".
- Sobre o credenciamento vencido da Facspar:
Afirma que "a Facspar está devidamente credenciada e autorizada para ofertar cursos, ministrar aulas e certificar seus alunos, no bacharelado em Administração, e, por consequência, nos cursos de pós-graduação lato sensu e extensão". Diz que a faculdade não está fechada, apenas não "atingiu quórum mínimo para viabilizar a abertura de turma" na graduação em Administração. Alega ter solicitado ao Ministério da Educação (MEC) a troca de endereço da sede no cadastro e que "o órgão simplesmente não atendeu às demandas e manteve as informações anteriores". Garante que "jamais houve uma negativa de pedido de recredenciamento" da faculdade pelo MEC e que os arquivamentos de processos de reconhecimento do curso de Administração e de recredenciamento do curso se deram por "inconsistência no formulário eletrônico".
- Sobre a oferta de pós-graduação de semirresidência médica:
Afirma que "o curso com a nomenclatura semirresidência já não existe mais e nem chegou a ser comercializado" e ressalta que "nunca foi a nossa intenção fomentar algum tipo de publicidade enganosa, apenas houve um equívoco na escolha do nome do curso que tem aulas práticas e teóricas."
- Sobre anunciar que as pós-graduações do Facinepe têm nota cinco do MEC:
Afirma que a Facspar tem "nota cinco na autorização de seu curso de Administração do MEC" e que a "qualidade dos cursos de pós-graduação está relacionada às avaliações dos cursos de graduação".
O que diz José Fortunati, ex-prefeito de Porto Alegre e atual reitor do Facinepe
Por meio de nota, afirma ter aceitado a nomeação como reitor do grupo pelo desejo de "voltar a trabalhar com área de educação", na qual acumulou experiência durante mandato de deputado federal e no período em que foi secretário estadual da Educação. Diz que "não tinha conhecimento prévio" sobre os embargos da prefeitura à obra de Faustino na Vila Jardim, mas alega ter sido informado que "o processo encontra-se em reanálise com a apresentação de um estudo de viabilidade urbanística junto à Secretaria Municipal de Urbanismo". Se diz "perplexo" com o inquérito aberto pelo Ministério Público para investigar possível irregularidade nos embargos decorrente da relação dele com Faustino. Garante que os fiscais da prefeitura, durante sua gestão, "tomaram todas as medidas legais cabíveis em relação à obra e eu, em nenhum momento, desautorizei os servidores ou solicitei que o embargo fosse retirado". Afirma, "taxativamente", ser "vítima, mais uma vez, de retaliações absurdas por parte deste setor do Ministério Público", em referência ao pedido do órgão para embargo de seus bens, o que não foi acatado pela Justiça.