Duas extremidades do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho abrigam piquetes com histórias totalmente opostas, apesar do amor em comum pelo tradicionalismo gaúcho. Perto da entrada pela Avenida Edvaldo Pereira Paiva, está o Chimango, que carrega o título de pioneiro por participar do Acampamento Farroupilha desde 1982. Já nas proximidades do estacionamento da Casa do Gaúcho, encontra-se o Tropeiros de Guaíba, que faz sua estreia no local neste ano.
O paulista Patrick Ernesto de Carvalho Oliveira, 45 anos, que é patrão do piquete estreante, conta que conheceu o parque há uma década e meia, quando veio para o Rio Grande do Sul. Na época, decidiu que queria ter um galpão no local, mas suas tentativas não foram bem-sucedidas:
— Quando eu vim a primeira vez, os caras não deixavam a gente entrar, era tudo porteira fechada. Aí fiquei com aquilo na cabeça, pensando que deveria acontecer com mais pessoas e que um dia eu teria um negócio desses. Fui tentando e depois conheci um amigo gaúcho, que me apresentou um piquete. Comecei a conhecer a cultura e como era o funcionamento, eu ia como visitante, mas também ajudava.
Casado com uma gaúcha, Oliveira relata que a oportunidade de ter o próprio galpão no parque surgiu no final de 2022 e que a ideia é que o piquete tenha um viés mais solidário. Além de manter a porteira aberta para todos os visitantes, o patrão distribuirá carne e salsichão com pão três vezes por semana.
O nome Tropeiros de Guaíba, explica, é uma homenagem à esposa, que é natural da cidade de mesmo nome. Para a montagem do galpão, Oliveira contou com a ajuda do sogro Arno Monteiro, 62 anos, e de amigos.
— Estou focado nessa parte solidária. Eu e meu amigo Denis Andrade Pereira, que é agente da EPTC, temos uma parceria forte e ele tem umas ideias muito boas. Estamos com um projeto para atender crianças — afirma, se referindo a uma ação que fornecerá almoço e lanche gratuitos para 50 crianças atendidas pelo Instituto Criança Mais Feliz, no dia 13 de setembro.
De acordo com o patrão, essas ações só serão possíveis graças às parcerias que conseguiu e são motivadas pela vontade de fazer diferença. O piquete também venderá bebidas, como outros galpões fazem, e a expectativa é conseguir aumentar o número de iniciativas no próximo ano.
Questionado sobre sua relação com a cultura gaúcha, Oliveira ressalta que gosta muito do tradicionalismo e que é apaixonado por carne:
— Conheci minha esposa aqui, aí abracei de vez a cultura. Uso pilcha e já me considero gaúcho. Agora, não paro mais.
Tradição de família
Antes das 10h desta sexta-feira (1º), o fogo já estava sendo aceso na churrasqueira do piquete Chimango, dando início a mais um ano de atividades no Acampamento Farroupilha. Fundado em 1979, por José Carrão, já falecido, o galpão é montado às margens do Guaíba desde 1982 — na época, contudo, o cenário era bem diferente.
Jorge Carrão, filho de José e atual patrão do piquete, acompanhou a evolução do local com o passar dos anos:
— Quando abriu o acampamento, nós viemos, porque sempre fomos gaúchos. Eu tinha 20 e poucos anos na época e lembro do primeiro ano como se fosse ontem. Era perto do Gasômetro, com quatro ou cinco barracas só. Mas eram só três dias, daí foi aumentando, passou para uma semana, 15 dias. Agora, são 30 dias, mas este ano viemos dia 12 de agosto e está 100% melhor. Eu acompanhei do ruim até o bom, mudou da água para o vinho, vim para cá na época em que não tinha luz e pegávamos água do Guaíba.
Natural de Palmeira das Missões, Jorge diz que a família se mudou para a zona sul da Capital quando ele e os irmãos ainda eram pequenos. Quando o pai faleceu, em maio de 1991, o filho mais velho assumiu seu legado.
— Meu pai foi precursor, sem nem saber. E ele está sempre aqui. Tenho certeza de que o espírito dele está sempre aqui junto com nós. Os outros filhos são gaúchos, mas não quiseram assumir e aí o que eu ia fazer? Não poderia deixar morrer. É um fardo duro, mas meu pai deixou isso para nós e eu estou levando, me orgulho de poder ter saúde e ter condições de manter aquilo que ele plantou sem pretensão nenhuma — afirma Jorge.
O patrão tem oito filhos, mas acredita que será o caçula, Heduardo Carrão, 22 anos, que levará a tradição adiante, já que praticamente nasceu dentro do piquete. Jorge afirma que a esposa começou a sentir as dores do parto no galpão, em 11 de setembro, e saiu de lá direto para o hospital.
Dias depois, no 20 de setembro, desfilou com a mãe e os irmãos, dentro do carrinho de bebê.
— Meu avô que começou a cultivar essa tradição, depois meu pai assumiu e vem trazendo, eu venho junto com ele. Aprendi a tocar gaita, a gente monta o galpão, faz um churrasco, uma cantoria. A gente cultiva bem a tradição e vamos levar adiante — finaliza Heduardo.