Com um alçapão para guardar documentos que antigamente só era aberto por um sistema de senha, uma escrivaninha preservada em Dom Pedrito também guarda segredos do fim da Guerra dos Farrapos.
De acordo com a tradição oral preservada pelo Museu Paulo Firpo, foi sobre aquele móvel de madeira que David Canabarro assinou o acordo que selou a paz dos rebeldes farroupilhas com o Império, em 1845.
A peça foi doada à instituição em 1987 por descendentes do comerciante Dioscórides Boucinha, que era proprietário de um armazém na localidade de Ponche Verde, onde foi assinado o tratado de paz. E ajuda a reforçar o imaginário sobre os detalhes da negociação que encerrou a maior guerra civil do país, após 10 anos de embate.
Como os farrapos viviam em acampamentos precários, o diretor do museu, Adilson Nunes de Oliveira, acredita que a peça em madeira ornamentada, com 1m16cm de altura, tenha sido cedida por estancieiros que apoiavam os farroupilhas para a análise das cláusulas que garantiram a negociação entre tropas.
Foi lá que, em 25 de fevereiro daquele ano, os partidários da República Rio-grandense examinaram os termos do documento enviado pelo então barão de Caxias, designado pelo imperador Dom Pedro II para debelar a rebelião. Após a análise dos papéis, possivelmente sobre a escrivaninha, enviaram com pequenas alterações uma contraproposta aos imperiais, culminando no anúncio de paz proclamada por Caxias em 1º de março de 1845.
Apesar de um erro comum difundido em ilustrações da assinatura de paz, o diretor do museu Paulo Firpo salienta que o aperto de mão entre os dois adversários nunca aconteceu.
- Não existe uma ata que tenha as duas assinaturas. A de Canabarro é uma, a do Caxias é outra. Eles nunca se encontraram - diz Oliveira, lembrando que até um selo comemorativo ao centenário da Revolução reforçava o equívoco ao colocar os dois apertando as mãos.
Segundo o pesquisador pedritense Nelso da Silva Oliva, que fez uma peça com a Reconstituição da Paz Farroupilha, as tropas imperiais estavam acampadas na costa do Rio Santa Maria, a cerca de 40 quilômetros de distância de onde estavam os farrapos. E toda a comunicação entre os dois exércitos era feita por meio de chasques - mensageiros que se deslocavam a cavalo para levar e trazer a documentação do acordo.
Depois de uma década de peleia, a paz interessava a ambos os lados. Desgastados pelo conflito, os farrapos estavam enfraquecidos, com menos de 2 mil homens, enquanto Caxias tinha a sua disposição só na região mais do que o dobro. Mas, se a superioridade era tanta, porque os imperiais insistiram em um acordo, em vez de aniquilar os rebeldes rio-grandenses em luta? Uma das explicações é que precisavam dos aguerridos lutadores para resistir às forças do ditador argentino Juan Manuel de Rosas, que ameaçava invadir o Brasil.
O acordo foi uma saída honrosa, mas não agradou a todos. Uma das ausências sentidas no desfecho foi a do general Bento Gonçalves. Na época, ele andava adoentado, mas esse não seria o verdadeiro motivo que o impediu a comparecer na assinatura de paz.
- O Bento não foi assinar porque não estavam libertando os escravos, não queria trair a causa - assegura Raul Moreira, descendente que está escrevendo uma biografia sobre Bento.