Incumbido de conduzir a eleição em um Estado ainda abalado pela enchente, o desembargador Voltaire de Lima Moraes não teme desafios. Presidente do Tribunal de Justiça durante a pandemia, agora enfrenta o temor de uma alta abstenção e da evasão de mesários provocada pela migração climática.
A eleição municipal aproxima o eleitor dos políticos e dos problemas locais. O que o senhor espera do próximo pleito?
Acima de tudo, que o debate se estabeleça em alto nível. Que os partidos e candidatos tragam seus planos de ação dentro das diretrizes estabelecidas na Constituição, ou seja, não prometam coisas que não tenham competência para fazê-las, que sejam atribuição do Estado ou da União. Também espero que essas plataformas sejam factíveis. Não posso prometer alguma coisa que tenha condições de cumprir ali adiante. E que se faça o desenrolar de um pleito dentro das normas estabelecidas pela legislação eleitoral.
O senhor foi rápido ao descartar qualquer cogitação de adiamento das eleições no Rio Grande do Sul. Por que?
Qualquer alteração de uma eleição se dá em caráter excepcionalíssimo. Até passamos por um, mas não a ponto de transferir uma eleição. Temos 497 municípios no Estado. Nem todos foram atingidos. Adiar para quando? Iríamos prorrogar mandatos? Por quanto tempo? Quem assegura que em março não vamos ter outro problema? Ou no fim do ano? Os eventos não são mais cíclicos, são aleatórios, podemos ter três, quatro no mesmo ano. Ano passado, tivemos dois. Então temos que fazer uma avaliação dos prejuízos causados à Justiça Eleitoral e dar condições de que as eleições possam se realizar num clima sereno, tranquilo e civilizado.
Qualquer alteração de uma eleição se dá em caráter excepcionalíssimo. Até passamos por um, mas não a ponto de transferir uma eleição.
Quais foram as perdas da Justiça Eleitoral com a enchente?
Nós tivemos 4 mil urnas atingidas, mas isso não nos preocupa porque serão substituídas. O TSE e o TRE do Distrito Federal vão mandar em torno de 7 mil urnas. Tivemos cartórios eleitorais afetados e nossa sede administrativa, duramente atingida.
Haverá mudança nas seções eleitorais? O eleitor vai continuar indo votar no mesmo lugar?
Algumas seções vão ser realocadas, principalmente no Vale do Taquari. Ali tínhamos, por exemplo, quatro seções num mesmo colégio e o colégio foi dizimado. Ainda não sabemos quantas seções serão transferidas, estamos fazendo essa avaliação.
Não há riscos de evasão de mesários?
Esse mapeamento está sendo feito. Poderá ocorrer alguma dificuldade. Nossa principal preocupação é a migração. As pessoas estão indo morar em outro bairro, cidade, vão mudar até de Estado. É uma nova realidade que nós vamos enfrentar. Mas estamos lançando o movimento do mesário solidário para aqueles que quiserem participar, exercer um ato de cidadania. Mas não vão faltar mesários no dia da eleição. Estamos tomando todas as providências possíveis.
O senhor teme uma abstenção alta em função da enchente e da migração?
Aí entra um outro movimento que vamos fazer em setembro, talvez um pouco antes, sobre a importância de o eleitor comparecer no dia 6 de outubro, no primeiro turno das eleições. Ninguém pode se omitir, abrir mão de traçar os rumos de um futuro melhor para si e para sua família. Isso se faz com o poder que tem o voto de transformar a realidade do amanhã, principalmente porque estaremos escolhendo os gestores municipais. É preciso que cada um avalie as propostas dos candidatos para formar seu livre convencimento, sem pressão de poder econômico, político ou baseado em notícias falsas.
Como o senhor acha que a enchente vai pautar a eleição?
Acho que vai envolver um todo, mas principalmente como vamos nos comportar daqui para diante, em termos preventivos. Temos que desenvolver uma atividade educacional para mostrar a importância do voto. O voto muda os destinos de um país. Um gestor pode modificar uma cidade. Para o bem ou para o mal. A gente sempre espera que seja para o bem.
Temos que desenvolver uma atividade educacional para mostrar a importância do voto. O voto muda os destinos de um país.
O senhor anunciou a criação de um comitê de combate à fraude de gênero. Como o senhor pretende evitar essas fraudes?
Dia 1º de julho darei posse ao comitê, constituído por sete servidores e presidido por um magistrado. Vai funcionar como um grande guarda-chuva de proteção, um observatório das decisões de todos os tribunais do país sobre fraude à cota do gênero. Terá o papel de passar subsídios para os magistrados e de orientar partidos e candidatos de que não basta cumprir a cota de 30% e não dar condições de participar ativamente. Já tivemos caso, nesse tribunal, de cassação por inobservância à cota do gênero.
O senhor é a favor do financiamento público de campanha? Ficou mais fácil fiscalizar os gastos eleitorais com financiamento público (as doações de empresas foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2015)?
Tem um custo muito elevado, mas decorre de uma ampla discussão que se estabeleceu no Congresso Nacional, onde tudo foi avaliado. É a nossa realidade e temos de conviver com ela. Com financiamento público, é mais fácil pegar irregularidades em função da origem do dinheiro. Também cumpriu um dos objetivos, quer dizer, diminuiu o caixa 2 realmente com o financiamento público ou continua? É difícil nós, digamos assim, dizer que ele continua. Que pode ter uma questão pontual aqui e acolá, onde a gente pode ainda verificar esse tipo de coisa.
A Justiça Eleitoral é rígida na fiscalização da campanha, mas há uma janela de pré-campanha também com 45 dias. Como fiscalizar abusos nesse período?
Não há ainda jurisprudência consolidada sobre o tema. Cada tribunal vai analisar caso a caso. Por exemplo, alguém que se candidata a um cargo e depois desiste por injunções políticas e passa a concorrer a outro cargo ou em outro Estado, é possível somar ou levar em consideração as despesas de lá e daqui? É uma discussão complexa, delicada, que se resolve por posição do próprio Tribunal Superior Eleitoral.
Em tempos de inteligência artificial (IA), como fiscalizar e coibir as fake news?
Temos aqui no tribunal um comitê de combate à desinformação, presidido por um ex-presidente, o desembargador Jorge Luiz Dallagnol. Toda vez que chega alguma coisa, as providências são encaminhadas para o promotor eleitoral, lá na ponta, submeter ao juiz eleitoral. Há também um debate muito grande que estamos fazendo, reunindo partidos, candidatos, temos seminários de orientação para que ninguém possa dizer que não sabia.
O senhor teme uma escalada de sofisticação da IA que facilite a disseminação de mentiras na eleição nacional?
Espero que não. Mas o tribunal está pronto para coibir qualquer tipo de fake news durante a eleição.
A liberdade de expressão tem limites na medida em que visa agredir alguém. Isso é bom para todos.
Quando o senhor tiver de tirar uma fake news do ar, como pretende lidar com quem o acusar de censura, de inibir a liberdade de expressão?
A liberdade de expressão tem limites na medida em que visa agredir alguém. Isso é bom para todos e já foi inclusive decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Se acontecer, não há a menor dúvida de que as medidas vão ser adotadas. Todo o sistema eleitoral está muito preparado para isso e muito treinado para coibir.
Há um ambiente de constante polarização política no país. O senhor teme que essa polarização contamine o debate na eleição municipal?
Não creio que a polarização possa ser a tônica predominante. Acho que, em razão desse desastre que tivemos, as preocupações das pessoas estarão relacionadas à sua comunidade. O que o gestor vai fazer de melhor? Quais propostas vai apresentar? O que o plano diretor estabelece? Temos que modificar o plano diretor ou não precisa? Sabidamente, as eleições municipais são mais acirradas, mas isso vai fazer com que as pessoas concentrem suas atenções nos problemas do município.