Por Aaron Schneider
Docente na Universidade de Denver (EUA)
Por Carlos Schönerwald
Professor da UFRGS
Por Hélio Henkin
Professor da UFRGS
O furacão Katrina atingiu a Costa do Golfo dos Estados Unidos, em agosto de 2005, como uma tempestade de categoria 3, com ventos superiores a 170 km/h e chuvas entre 150mm e 380mm. Embora o olho do furacão não tenha atingido Nova Orleans, a falha dos diques levou à inundação catastrófica de 80% da cidade, causando 1.821 mortes e danos em 70% das áreas ocupadas por habitações.
O Katrina é ainda hoje uma das maiores catástrofes climáticas que atingiram os Estados Unidos, talvez a mais cara em termos financeiros, com danos estimados em mais de US$ 100 bilhões e com mais de 1,3 milhão de pessoas desalojadas no Estado da Louisiana. Como resultado da devastação, a população pré-Katrina de Nova Orleans, que era de 455.188 pessoas, diminuiu em cerca de 225 mil imediatamente após o furacão, tendo recuperado apenas 75% do seu nível original cinco anos mais tarde, somando 343.829 habitantes conforme o U.S. Census Bureau 2010.
As imagens do noticiário do furacão avançando em direção à cidade ainda estão presentes, assim como o incrível poder das águas correndo através das brechas dos diques e os barcos navegando pelas ruas. O mais inesquecível de tudo são as imagens de pessoas desesperadas, presas nos telhados. Eram famílias inteiras, idosos, crianças, mulheres e homens.
Esse relato se assemelha ao ocorrido agora em Porto Alegre e nas demais cidades atingidas pela enchente dos rios gaúchos. A água das chuvas chegou ao lago Guaíba, que, superando a marca histórica da catástrofe de 1941, atingiu o recorde de 5m35cm. Assim como ocorrido em Nova Orleans, o sistema de contenção de inundação colapsou, a água rompeu as barreiras de diques, muro e comportas e invadiu a Capital. A quase totalidade das casas de bombas de esgoto da cidade foi desligada. Muitas não possuíam o devido sistema para operar na ausência de fornecimento de energia elétrica. Em síntese, regiões inteiras tiveram de ser evacuadas, entre as quais os bairros Farrapos, Sarandi e Humaitá, a parte baixa do Centro Histórico, Menino Deus e Praia de Belas, além dos bairros ao Sul, como Ponta Grossa, Ipanema e Lami.
Pontos de referência econômica e social de Porto Alegre sofreram inundação, como Mercado Público, aeroporto, rodoviária, Arena do Grêmio e Beira-Rio. Além da Capital. Cerca de 200 municípios tiveram estado de calamidade decretado, somando, segundo dados da Defesa Civil, mais de 170 mortos e 575 mil pessoas desalojadas. As perdas econômicas tendem a alcançar montante extraordinário, incluindo os ativos de infraestrutura de transporte, saneamento, energia e telecomunicações, bem como os referentes ao capital físico em máquinas, equipamentos, estoques de matérias-primas e bens em processamento. A redução da mobilidade urbana e a interrupção dos fluxos de produção e distribuição acarretam redução significativa no produto interno e na renda regional.
Após mais de um mês do início das enchentes, a questão que se coloca para as famílias e os negócios atingidos é a possibilidade de se reconstruir, apesar do cenário de desolação. Os especialistas alertam que a redução da vulnerabilidade na área afetada requer visão integrada, diante da interdependência de efeitos hidrológicos dos municípios.
Além disso, para minimizar o efeito negativo sobre emprego e renda e evitar uma redução permanente, é necessário rápida implementação de ações de recuperação dos danos. A experiência vivida no pós-Katrina indica que celeridade e necessidade de lidar com situações de interdependência requerem planejamento e coordenação eficientes, ainda mais quando o desafio envolve reconstrução de infraestrutura ampla. Incorporar as lições do pós-Katrina e de outros eventos extremos relacionados a inundações e combinar agilidade e forte capacidade de formulação coerente de políticas e projetos é o grande desafio a ser enfrentado.
A adequada mobilização e alocação de recursos dependerá crucialmente da articulação eficiente das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e do tratamento integrado dessa região, cujas bacias hidrográficas são ao mesmo tempo recursos valiosíssimos e, como mostra a tragédia climática atual, desafios cada vez maiores.
Por mais desafiador que seja, recuperar no Estado a capacidade de planejamento em nível regional é condição indispensável para que seja minimizado o impacto da tragédia e que o crescimento econômico seja robusto e sustentável a longo prazo.