Cidade que é separada de Lajeado apenas pelo Rio Taquari, Cruzeiro do Sul parece ter sido varrida por um tsunami. Praticamente nenhuma casa situada na orla ribeirinha sobrou intacta. As residências viraram escombros. De algumas, restam as fundações. De outras, paredes, sem telhado, janelas ou portas. A enxurrada da semana passada foi a mais violenta dentre as três que devastaram o município de 11 mil habitantes no curto espaço de sete meses.
— O rio consumiu com o bairro inteiro. É um tsunami, não tem como usar outra palavra — define Marcelo, um morador da área central, que há quase uma semana procura por um casal de tios desaparecidos.
A Avenida Emílio Trotter Sobrinho, a principal, costeia o Taquari. Dali, é possível ver os grandes prédios de Lajeado, situada em frente, do outro lado do rio. A diferença é que, na margem pertencente a Cruzeiro do Sul, só restam pedaços de casas. As de madeira viraram graveto. As de alvenaria estão dilaceradas como se bombas tivessem sido despejadas. Só que foi apenas chuva. Sofás foram parar no alto de postes e permanecem pendurados em fios.
Uma das raras residências que ainda poderá ser consertada é a bonita casa de dois andares do autônomo Júlio Cezar Hentz, situada numa parte mais elevada da orla. Nas duas primeiras enchentes, em setembro e em novembro de 2023, o casarão teve apenas o térreo e a garagem inundados. Apesar do alerta vermelho da Defesa Civil, Hentz confiou que a terceira cheia do ano, semana passada, não seria suficiente para atingir o segundo piso. Engano.
— Até que veio devagar, mas, em menos de oito horas, o rio avançou até o alto do segundo andar. Uns oito metros de água, inacreditável. Perdi todos os móveis. Salvei alguns eletrodomésticos — descreve ele, enquanto coloca sofás, camas e roupas para secar ao sol, que desponta aos poucos no Vale do Taquari, após oito dias de chuvas incessantes.
No dia da enxurrada, Hentz conseguiu convencer a mãe, dona Lídia, 87 anos, a ir para a casa de parentes. Ela estava relutante, porque a história da família se confunde com a da cidade. A frente do imóvel ficou irreconhecível. Além de vidros e portas levados pelo rio, ciprestes, laranjeiras e limoeiros caíram como peças de um dominó, deixando raízes expostas e um cheiro adocicado que começa a azedar, por efeito do sol.
Uma oficina de bicicletas situada quase em frente à casa dos Hentz virou um cemitério de peças. Rodas, guidons, pedais estão espalhados num raio de 50 metros, parte deles caídos no rio. Na mesma avenida, um quilômetro depois, uma usina de reciclagem de sucata foi tomada por lama e detritos. As peças metálicas se confundem com o barro, animais mortos e detritos de todos os tipos. Como se o martelar de canhões tivesse atingido a empresa, deixando pouca coisa intocada.
O salão paroquial de uma igreja católica virou refúgio para flagelados, que fazem fila para receber comida e roupas. São mais de 800 desalojados em Cruzeiro do Sul e pelo menos uma dezenas de desaparecidos.
Cruzeiro do Sul, pelo menos, não está ilhada. Tem comunicação com Lajeado e com Venâncio Aires. Mas nenhum desses municípios possui, por ora, ligação com a Capital ou com outras regiões do Estado. Estão isolados por quedas de pontes e elevação de águas nas rodovias.