As palavras saem aos solavancos e o choro toma conta de Márcia Jost ao descrever tudo que perdeu nos últimos dois dias. Dona de um sítio em Rio Pardinho, distrito de Santa Cruz do Sul, a agricultora viu as águas encorpadas pelo dilúvio que se abateu no Vale do Rio Pardo levarem de roldão seus bens acumulados em 51 anos de vida. Foram vacas leiteiras (que tinham nome, como é costume no campo), roupas, um automóvel Santana depredado pelo aguaceiro, o resfriador de leite. E a luz, sem a qual a vida no meio rural se torna inviável.
Afinal, o tambo de leite depende da eletricidade para manter resfriado o leite retirado dos animais. Pois Márcia e seus familiares perderam vacas, equipamentos, silagens (pasto preparado para os meses de carência do inverno) recém ajeitadas para os animais e, claro, a maior parte dos bens da casa. As águas do Rio Pardinho (que dá nome ao distrito) foram até o teto da residência, com pé direito de quatro metros de altura. Arrasaram camas, sofás, cobertas, roupas. Tudo encharcado, enlameado, algumas arrastadas e sumidas. Os telhados desabaram, as cercas foram demolidas como gravetos, árvores foram parar nas hortas, destruindo verduras e legumes que tinham sido cuidadosamente cultivados.
— É muita tristeza. Dá vontade de desistir de tudo. Morei a vida toda aqui e nunca vi um desastre assim. Nem meus pais. O tambo de leite tá arrasado. Nem sei como vamos recomeçar — lamenta Márcia.
Rio Pardinho fica a meio caminho entre o núcleo urbano de Santa Cruz do Sul e o vizinho município de Sinimbu, arrasado pelas tempestades. A ligação entre as duas localidades está totalmente interrompida pela enchente, depois de 24 horas em que as águas iam e vinham, dando um pouco de vazão ao tráfego. O veículo de Zero Hora, uma caminhonete com tração nas quatro rodas, passou por dois pontos alagados, mas não conseguiu vencer um terceiro trecho em que a estrada virou uma cachoeira, com correnteza que levava troncos de árvore de arrasto.
Sinimbu, que fica numa serra acima de Santa Cruz, está ilhada. O último ponto transitável é próximo à residência de Vanderlei Jaeger, 59 anos, bancário aposentado, que mora no interior de Rio Pardinho. Ele diz que seus familiares chegaram na região em 1919 e jamais viram uma enchente como essa, que interrompesse totalmente o tráfego de veículos até Sinimbu.
— Temos três córregos aqui na Linha São João. Viraram rios furiosos, arrastando tudo que encontram pela frente. Estamos sem luz, sem telefone, sem internet.
Vizinho e sogro de Jaeger, o agricultor Arno Haas reforça o ineditismo do desastre ambiental vivido na região e pede ajuda.
— Nós ainda temos ligação com Santa Cruz, mas o pessoal que está mais no interior está ilhado. As autoridades precisam mandar mais helicópteros. Tem gente que nem sabemos se está viva ou morta —apela, com olhar entristecido.
De fato. Pelo menos oito pessoas estão desaparecidas no Vale do Rio Pardo. E outras, incomunicáveis, sem que se saiba seu destino.