Aberta em agosto passado, a clínica geriátrica Dulce La Vitta, no bairro Morro Santa Tereza, em Porto Alegre, acumula queixas de familiares de idosos que residem lá e virou alvo de uma investigação policial.
Entre março e abril, oito ocorrências policiais foram registradas na Delegacia do Idoso de Porto Alegre por supostos crimes cometidos no local, que envolvem maus-tratos, furto e estelionato. A clínica também já foi autuada pela Vigilância Sanitária de Porto Alegre por falta de alimentos e problemas de higiene.
A reportagem conversou com uma das denunciantes. Joana Aita Costa decidiu quebrar o silêncio para evitar que outras pessoas passem pela mesma situação. Ela relata que sua tia-avó, uma idosa de 95 anos, perdeu quase 20 quilos nos seis meses em que ficou no local:
— Ela chegou bem saudável e saiu de lá desnutrida, desidratada e com suspeita de pneumonia.
A família de Joana descobriu a clínica pelas redes sociais e se encantou após a visita ao local:
— Depois de alguns meses, a gente começou a ver que a coisa não era tão maravilhosa assim.
A tia de Joana não fala e tem dificuldade de locomoção por conta de um acidente vascular cerebral (AVC), sofrido antes de ir para a clínica.
A reportagem também conversou com um outro idoso que residiu no local por quatro meses. Lúcido e independente, ele decidiu sair por conta própria por causa das condições. O maior problema, segundo ele, era a falta de higiene. Os vasos sanitários chegaram a ficar entupidos entre os meses de novembro e fevereiro e era muito comum a falta de de papel higiênico e fraldas geriátricas.
O idoso ainda relata problemas com a alimentação:
— De manhã, eram três bolachas e um pedaço de pão. Não tinha café, não tinha leite, vez ou outra era um suplemento alimentar. No almoço, era arroz com salsicha, polenta com uns pedacinhos de salsicha ou arroz com poucos pedaços de frango. Tu imagina 40 pessoas com três coxas e sobrecoxas picadas? De noite, de novo, três bolachas e esse suplemento, que a gente não sabe o que era.
O idoso também registrou uma ocorrência por furto de um pertence que não teria sido devolvido quando saiu. Joana e a família afirmam o mesmo: não puderam pegar todas as roupas e eletrodomésticos que haviam levado para a idosa.
Autuação da Vigilância Sanitária
A delegada Ana Caruso, da Delegacia do Idoso, aponta que a clínica também é investigada por falta de assistência médica em casos de acidente:
— São vários relatos de que eles eventualmente quebravam algum osso e não eram levados para o hospital e só recebiam analgésicos. Aí, quando o familiar visitava, eles relatavam que tinham muitas dores, os familiares levavam aos hospitais e aí sim era feita a radiografia e descobriam que estavam com fraturas.
Uma outra ocorrência que chegou à polícia trata de uma idosa que era mantida nua no lar, só de fralda, em meio a outros pacientes, mesmo homens. Para a delegada, era "uma forma de facilitar o trabalho das cuidadoras".
Além das ocorrências de maus-tratos, uma das frentes da investigação é por estelionato. Isso porque há a suspeita de que o serviço anunciado pelos proprietários era um e a realidade encontrada, diferente.
— Elas diziam que eram enfermeiras, que tinha um salão de jogos, que tinha uma sala de fisioterapia e, na verdade, a dona não é enfermeira, ela tem um curso de primeiros socorros apenas, não existe a tal sala de jogos, sala de fisioterapia, segundo nos relataram, nem nós vimos lá na visita — pontuou a delegada.
A Vigilância Sanitária esteve na clínica no dia 11 de abril e autuou a dona do local. De acordo com a inspeção do órgão, foi constatada "a falta de alimentos, cozinha sem condições de higiene, falta de recursos humanos para a garantia dos cuidados aos residentes, sem condições de higiene adequadas nas dependências da geriatria, colchões sem revestimento impermeável".
A vigilância ainda apontou que o material de higiene dos residentes, como escovas, estava agrupado na mesma caixa. Outro ponto levantado pelos agentes de saúde é de que a "lavanderia não evidenciava as rotinas de higienização para as roupas e as roupas estavam sujas e acumuladas".
O que diz a clínica
A clínica Dulce La Vitta está registrada em nome de Jonathan Santos Silva, mulher trans que se identifica como Ariane e ainda não fez a mudança de documentos junto à Justiça. Tem o registro do CNPJ em 9 de agosto de 2023.
A reportagem esteve no local na última segunda-feira (22). Ao chegar, Ariane não estava e funcionários ligaram para ela, que prometeu chegar em 30 minutos. No tempo de espera, teve início uma confusão. Uma das pessoas gritava:
— Eu quero ir embora, eu quero ir embora! Eu não estou louco.
Ariane negou todos os relatos de familiares de residentes. Também alegou que as denúncias estão sendo feitas por pessoas que não pagavam a mensalidade:
—Não confere essa informação, inclusive são pacientes que os familiares tiraram da clínica porque a gente ficava em cima. Não pagavam a mensalidade em dia, material dos pacientes não era trazido, não vinham visitar os familiares. Essas informações não conferem.
A reportagem perguntou como ela avalia o trabalho da clínica:
— Meu trabalho é ótimo, tem nutricionista, a casa tá sempre bem limpinha.