Moradores de Viamão, na Região Metropolitana, protestam contra a liberação do terreno da Fazenda Montes Verdes, a 36 quilômetros de Porto Alegre, para a incorporação de resíduos industriais e de tratamento de água no solo da localidade. A alegação é de que a empresa Bianchini S.A., proprietária do espaço, obteve uma licença única junto à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para fazer o descarte dos produtos e que o movimento afetaria oito nascentes da região.
Moradores da região alegam que diversos caminhões foram vistos entrando e saindo da propriedade. A reportagem de GZH esteve no local na semana passada e não percebeu veículos circulando. No entanto, há uma placa da Fepam que diz que o empreendimento está licenciado e de acordo com as normas de proteção e conservação ambiental. Um trecho da área está arado e é possível perceber um cheiro forte no local, semelhante a produtos químicos.
A Fepam confirma que uma autorização — chamada de licença única — foi dada. De acordo com o órgão ambiental, a autorização permite a incorporação de resíduos em solo agrícola até 2028. Trata-se de uma atividade que busca, principalmente, minimizar o impacto de sobras de atividades industriais e agrícolas em um espaço de maneira sustentável. A medida também tem como objetivo qualificar o solo com nutrientes, evitando custos com adubos.
Entre os produtos a serem aplicados no solo, de acordo com a licença única, estão lodo de estação de tratamento de esgoto, cinza de caldeira e resíduos de varredura. A fundação apontou que o processo é acompanhado por um engenheiro agrônomo e conta com o consentimento do município e do proprietário da área.
O movimento liderado pela Comissão Não ao Lixão alega que a atividade afetaria oito nascentes da região. Entre elas, estariam o Lami, o Rio Gravataí e o Itapuã. A área, que possui cerca de 200 hectares, é tema de debate no município há, pelo menos, cinco anos, devido a um projeto para instalação de um aterro sanitário.
Segundo Iliete Aparecida Citadin, coordenadora da comissão, com a licença única, a empresa pode descartar resíduos de soja transgênica, o que atingiria poços artesianos da região. A ação também afetaria os moradores das regiões do Cantagalo, Passo D’Areia, Beco do Pesqueiro, Lomba Verde, Lami e Itapuã. Além disso, as comunidades indígenas teriam suas produções comprometidas.
— São resíduos que afetariam as oito nascentes, soterrando elas, que vão para várias regiões. E a gente vai ficar praticamente sem água na região. Temos preocupação de que isso não pare — disse a líder do movimento.
De acordo com a Fepam, a portaria número 80/2020, da fundação, estabelece o monitoramento do resíduo e do solo, antes do começo da aplicação e depois. Até o momento, segundo o órgão ambiental, não há alterações.
Questionada, a prefeitura de Viamão informou que no âmbito municipal, o empreendimento encontra-se regularizado.
Fiscalização deve evitar passivo ambiental, diz agrônomo
O engenheiro agrônomo Matheus Piato, conselheiro da Câmara Especializada de Agronomia (Ceagro), alerta que toda atividade é passível de consequências e que deve haver junto à licença um acompanhamento técnico. O processo, segundo ele, é feito através de análises de solo e laudo de interpretação.
— Você não pode realizar o serviço em áreas de preservação. Outro fator crucial para a incorporação são os estudos de nascentes, que possuem um raio de proteção de 50 metros, para resguardá-las. Um último fator é saber se essa aplicação dos resíduos tem a finalidade mesmo de colocar esses produtos a fim de beneficiar uma cultura? Se sim, qual cultura agrícola? A fiscalização do órgão ambiental responsável tomará as medidas cabíveis de forma a não ocorrer um passivo ambiental — explica o engenheiro agrônomo.
Região é alvo de licenciamento para instalação de aterro sanitário
A reportagem apurou que há um pedido de licença prévia, com Estudo e Relatório de Impacto Ambiental, em análise na Fepam, para a instalação de um aterro sanitário na região. A medida, aberta pela Empresa Brasileira de Meio Ambiente S.A. (Ebma) e pela Vital Engenharia Ambiental S.A., que arrendaram o espaço junto ao proprietário, aberta em julho de 2020, foi indeferida em maio do ano passado, por inconsistência da documentação anexada para abertura do processo de licenciamento. No entanto, as empresas entraram com recurso.
O processo está parado desde agosto de 2022, mas a Fepam alegou que realizou uma vistoria em outubro deste ano e que analisa o recurso. Ainda haverá uma audiência pública a respeito do tema, mas sem data definida.
Um processo também está aberto na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), devido à proximidade da Fazenda Montes Verdes com a comunidade indígena mbya guarani do Cantagalo. A reportagem entrou em contato com o órgão, que não se manifestou.
O que dizem as empresas
A Vital Engenharia Ambiental esclarece que, em relação à questão de resíduo em solo agrícola, a companhia não tem conhecimento do fato e não há qualquer processo de licenciamento em nome da Vital ou qualquer uma de suas empresas. Já em relação ao licenciamento ambiental do aterro sanitário, há um processo em andamento em nome de uma empresa investida da Vital, que está cumprindo rigorosamente todas as exigências legais junto aos órgãos competentes.
GZH tenta contato com a empresa Bianchini S.A desde quarta-feira (8), mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.