A casa de número 104 na Rua Fernando Ferrari, em Muçum, ganhou marcas nas paredes além daquelas provocadas pelas águas do Rio Taquari. Abaixo da linha que indica a altura máxima que o nível da água atingiu, mãos pequenas contornadas pelo barro são vistas em todos os cômodos da residência, que atravessa a quadra e tem saída para o Beco do Sossego, a cerca de 150 metros do rio.
As mãos, com o registro da data da primeira visita na casa após a tragédia — 7 de setembro — são de Any Poletti, 13 anos. Uma das primeira a sair de casa quando a água começou a subir, ela só voltou três dias depois e encontrou tudo destruído.
A adolescente, que tinha como costume desenhar e expor suas artes pelas paredes da casa, decidiu manter a iniciativa. Desta vez, usando barro no lugar dos lápis de cor.
Foi assim que mãos dela foram preenchendo todas as paredes da casa, menos aquelas ainda inacessíveis em razão dos entulhos.
— Perguntei o que tu tá fazendo? E ela disse: “É só para deixar minhas marcas, das mãos, uma recordação até a gente pintar a casa”. Ela tirou fotos, filmou. Onde ela não colocou a mão é porque ainda tinha muito entulho — conta o pai, o servidor público Vanderlei Poletti, 53 anos, enquanto limpava a casa, mas evitando apagar os desenhos da filha.
— A partir de agora novas lembranças serão criadas com novas coisas — disse Any à GZH nesta quarta-feira, quando retornou mais uma vez à residência.
Mas o pai ainda conta que a menina quis guardar outra recordação de sua vida antes da tragédia:
— Ela ficou muito triste, arrasada. Vendo as coisas, os brinquedos, os cadernos. Ela quis guardar a mochila dela para ter uma recordação.
Enquanto a casa ainda está suja e parcialmente destruída, a menina e o restante da família estão abrigados por outro familiar, menos atingido pela cheia.
Apesar da proximidade com o rio, os Poletti a água nunca havia invadido a casa, segundo os moradores. Em 2020, a grande enchente anterior, a frente da casa alagou, faltando centímetros para invadir. Desta vez, só o telhado ficou de fora e acabou servindo como um ponto de segurança para um vizinho do Beco do Sossego se segurar, quando não era mais possível vencer a correnteza da água em cima do pequeno barco a remo.