Popularmente chamada de “uber dos ônibus”, a empresa de agenciamento de viagens Buser começou suas operações no interior do Rio Grande do Sul sob a mira das autoridades. Desde quinta-feira (30), quatro ônibus a serviço da Buser foram apreendidos pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer).
A ação ocorreu em Caxias do Sul, Porto Alegre, Rio Grande e Santa Maria, com multa e recolhimento dos veículos. Para não deixar os passageiros ao relento, os fiscais providenciaram a continuação da viagem em linhas tradicionais.
Os veículos apreendidos não pertencem à Buser, mas a transportadoras contratadas para operar as viagens comercializadas pela startup. Segundo o diretor de Transportes Rodoviários do Daer, Lauro Roberto Hagemann, os ônibus estão registrados em nome de duas empresas cujas operações podem ser suspensas. Embora as viagens sejam organizadas sob suposto fretamento, a autarquia afirma que a operação é irregular.
— São empresas que aceitaram se submeter a essa contratação. Elas tentam fazer como se fosse um serviço de fretamento eventual, com lista de passageiros, mas há comercialização de passagens pela Buser e sem circuito fechado, ida e volta. Cada empresa teve dois ônibus recolhidos e essa reincidência pode levar à suspensão por até quatro anos — alerta Hagemann.
As empresas responderão a processo administrativo. Durante a apreensão, o Daer entrevistou passageiros e fotografou telas dos celulares com o comprovante da aquisição das passagens. Em nota, a Buser considera a apreensão ilegal, e informa que, junto com as parceiras, está recorrendo à Justiça. “Confirmamos que ocorreram apreensões ilegais, realizadas em perseguição à Buser, uma vez que o serviço de fretamento é legal, regulamentado e a atividade de intermediação é permitida por lei. A Buser e suas parceiras já estão recorrendo à Justiça para impedir que novas apreensões ocorram no Rio Grande do Sul por total falta de embasamento jurídico”, diz o texto.
Denominada “maior plataforma de intermediação rodoviária do país”, a Buser afirma que não comercializa passagens, mas sim administra “grupos de viajantes”. Desde a semana passada, ela oferece viagens entre Porto Alegre e cinco destinos do Interior: Caxias do Sul, Santa Maria, Pelotas, Rio Grande e Farroupilha.
A estreia veio com passagens gratuitas até 30 de outubro para quem usar a empresas nas viagens do Interior à Capital. Em geral, a Buser diz cobrar valores até 60% mais barato do que as empresas tradicionais. Um deslocamento de Porto Alegre a Pelotas, por exemplo, pode sair por R$ 59,90, ante os R$ 95,05 cobrado por outras empresas – uma diferença de 37%. O mesmo se verifica nas viagens para Caxias do Sul, na qual a Buser cobra R$ 25,90 e a concorrência formal, R$ 40,05. Esse preço é possível porque, segundo a empresa, os ônibus são fretados e os custos divididos entre os passageiros.
A Buser sustenta que todas as viagens são realizadas e eventuais cancelamentos são informado com 48 horas de antecedência. A startup também garante que as parceiras são empresas regulares, registradas nos órgãos de fiscalização, e que oferecem seguro de vida gratuito aos viajantes. Por não se tratar de uma linha regular de ônibus, as viagens não partem de estações rodoviárias, mas quase sempre de algum ponto nas redondezas dos terminais.
Chamado pela empresa de “fretamento colaborativo”, o modelo suscita polêmica. No ano passado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) proibiu a Buser de operar no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná com transporte interestadual.
Em fevereiro, a liminar válida para o território gaúcho foi chancelada por unanimidade pela Terceira Turma da Corte. No acórdão do julgamento, o desembargador Rogério Favreto afirma que a empresa oferece “transporte irregular”, pratica “concorrência desleal” e “não possui autorização estatal, visto que utiliza indevidamente viagens de fretamento, por meio de burla”. A Buser está recorrendo da decisão.
Para a Associação Rio-Grandense de Transporte Intermunicipal, a investida da Buser nas linhas para o Interior configura irregularidade. Em nota, a entidade diz que “o transporte intermunicipal de passageiros tem regras que vão desde a emissão do bilhete eletrônico, nota fiscal que já recolhe o tributo na compra da passagem, até a obrigatoriedade de cumprimento de horários e roteiros, atendimento às gratuidades, sempre começando e terminando a viagem nas estações rodoviárias, bem como treinar seus colaboradores e cumprir a legislação trabalhista. Fora disso, não é transporte regular e aí é uma questão para fiscalização.”
Também em nota, a Buser descarta qualquer operação irregular. “A Buser é uma plataforma de tecnologia que faz a intermediação entre grupos de viajantes e empresas de fretamento. Essas empresas são todas regulares, registradas em todos os órgãos reguladores, pagam todos os impostos e possuem todas as licenças necessárias para o serviço de fretamento. Além das normas de segurança estabelecidas por lei e pelos órgãos que regulam o transporte, a Buser ainda impõe uma série de exigências, como telemetria em todos os veículos. O usuário, no momento de comprar sua viagem por meio de um grupo de fretamento, é informado sobre qual empresa prestará o serviço e pode ter acesso a todas as licenças e documentos se achar necessário.”
A Buser desembarca no Estado em meio a uma crise do setor. Dos 57 milhões de pessoas transportadas em 2015, o volume caiu para 33 milhões em 2019. No ano passado, em função da pandemia, a queda no movimento foi ainda maior, com apenas 13 milhões de usuários. Para o Daer, enquanto não houver legislação regulamentando a operação de empresas nesse novo modelo, a fiscalização será mantida.
— Tudo o que a gente conseguir vai para o guincho. Não é uma caça às bruxas, mas sim para preservar o equilíbrio do sistema, demonstrar organização e também respeito a todas as outras empresas que têm sua operação ajustada — afirma Hagemann.