Não eram nem 6h desta terça-feira (25) quando a dupla formada por Denise Walter, 41 anos, e Liliane de Lima, 48 anos, encostou a viatura da Metroplan na Avenida Guilherme Schell, em Canoas. Iluminadas apenas por um poste próximo da parada de ônibus no sentido Canoas/Capital e pelo giroflex do carro de apoio e encasacadas para lidar com o frio – a mínima prevista era de 7ºC –, deram início à missão de monitorar cada ônibus metropolitano que passava pelo local. A fiscalização foi reforçada em Canoas nas últimas semanas para verificar a entrada da empresa Transcal, que assumiu linhas metropolitanas que eram operadas pela Vicasa.
Denise e Liliane fazem parte do time de 30 fiscais da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional, a Metroplan. O órgão é responsável por gerir e fiscalizar o transporte metropolitano no RS. É considerado transporte metropolitano aquele feito entre cidades de uma mesma região aglomerada.
O Estado é dividido em quatro destes aglomerados, como explica Rodrigo Neves, gerente de fiscalização da Metroplan. Os 30 agentes estão espalhados nesta malha. A maioria, 22 deles, está na Região Metropolitana, onde são 34 municípios cobertos. O Litoral Norte tem três agentes para 20 cidades. Na Serra, outros três fiscais cobrem 13 cidades. E na Região Sul, são dois fiscais para quatro municípios.
– É um trabalho complexo. Temos apenas 30 agentes para fiscalizar diariamente 530 linhas que fazem 6 mil viagens. E com a pandemia, ainda temos quatro fiscais que estão afastados, seja por idade, comorbidades e até mesmo um caso de covid-19. Nove colegas já contraíram a doença durante a pandemia – explica Rodrigo.
Mas o quadro poderia ser ainda pior. Dos 30 fiscais em ação, somente sete são concursados, remanescentes do primeiro e único concurso público da Metroplan, de 2009. Os outros 23 operam sob contratos emergenciais. Não há perspectiva de abertura de um novo concurso.
Prioridades
Na dupla que a reportagem acompanhou, Denise é concursada, atua há 12 anos na fiscalização, enquanto Liliane está em seu segundo contrato emergencial – atuou pela primeira vez entre 2012 e 2014, retornando no final de 2019. A média é de um agente para cada 18 linhas metropolitanas ou de um para cada 200 viagens. Além disso, a Metroplan ainda fiscaliza o transporte privado.
Só neste, já foram aplicadas 2.114 autuações. Nem sempre os agentes atuam em duplas, as escalas variam e alguns também atuam individualmente.
– Temos 2.100 ônibus de consórcios das empresas que operam linhas metropolitanas. De empresas de transporte privadas, são mais 2.800 carros – pontua Rodrigo.
O número é insuficiente diante da demanda, ainda mais em tempos de pandemia, onde a fiscalização dos protocolos de segurança tornou-se extremamente importante. Por isso, como Rodrigo explica, é preciso priorizar. As operações são definidas de acordo com indicações da Diretoria de Transportes, da própria de seção de Fiscalização e, principalmente, das reclamações enviadas pelos usuários.
O foco em Canoas nas últimas semanas, por exemplo, é fruto disso. Ontem, além de Denise e Liliane, outros quatro fiscais atuavam em outros pontos da cidade. A dupla fiscalizou 48 veículos que partiram de Canoas rumo à Capital. O principal foco é verificar se os coletivos têm álcool gel disponível, cartazes com informações sobre prevenção da covid-19 e se estão respeitando o decreto de limitar até 70% da ocupação. Um dos ônibus vistoriados, da empresa Vicasa, levava 11 passageiros a mais que o permitido. Foi aplicada uma infração para cada passageiro que excedeu o limite, somando 11.
Rotina puxada e reclamações
Denise e Liliane moram em Porto Alegre. Denise acorda perto das 5h. Ela e o marido, que também é agente de fiscalização, mas na Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), levam os dois filhos, de três e seis anos, para os cuidados de uma babá. Depois, dirigem-se aos seus empregos. Natural de São Martinho, no noroeste gaúcho, ela veio para Porto Alegre por volta de 2005 e atuou como fiscal de área azul antes de ser concursada da Metroplan. Hoje, Denise conta que está acostumada com os desafios do trabalho, ficando mais preocupada com ter de acordar os filhos tão cedo:
– Dá um aperto no coração tirar eles da cama, mas eu e meu marido temos esse mesmo horário de trabalho, então, não podemos deixá-los sem supervisão.
Para Liliane, que é formada em Direito, a expectativa de um possível novo concurso segue sempre viva. Além de Denise, ela costuma dividir o front de fiscalização com o irmão, que também é agente da Metroplan. Para Denise, que mora com uma filha de 17 anos, a mãe e o irmão, o maior desafio é lidar com a insatisfação dos usuários.
Os fiscais citam uma frase comum: “Todo mundo quer fiscalização, mas ninguém quer no seu ônibus”. Quando embarcam nos coletivos, os agentes da Metroplan logo começam a ouvir frases como “Estão atrasando minha viagem”, “Essa fiscalização não dá em nada”, entre outras reclamações. Mas Liliane pontua que é preciso explicar aos passageiros que apenas a fiscalização é feita no local. Depois disso, os agentes retornam para a sede da Metroplan e fazem um relatório com os dados e as infrações cometidas. Só então as multas são geradas.
– Imagine se a gente fizesse tudo aqui, uma multa para cada passageiro a mais, os ônibus iam ficar muito mais tempo parados. Nosso objetivo não é multar, é conferir se o serviço está sendo feito com qualidade. Agora, é um pouco mais demorado, pois precisamos contar os passageiros e conferir se está tudo dentro das normas. Os usuários reclamam, a gente confere, mas as vezes falta compreensão – explica Liliane.