Um velho fantasma, o dos alagamentos, voltou a assombrar os moradores do Vale do Sinos, uma das regiões mais populosas do Rio Grande do Sul. As chuvaradas da semana deixaram o Rio dos Sinos com o nível mais alto deste ano, e a tendência é que aumente porque, até a manhã de domingo (12), continuava a chover próximo às nascentes do manancial, situadas na Serra do Mar. Três das principais cidades da região – Novo Hamburgo, São Leopoldo e Campo Bom – estavam com as águas dois metros acima do usual, e continuavam em elevação.
Choveu 24mm em 24 horas, e a Defesa Civil segue monitorando o rio constantemente. Com a previsão de tempo instável nos próximos dias, a orientação às comunidades que residem em áreas de risco é desocuparem as casas e buscarem abrigo seguro.
O agravante é que, ao contrário de outros anos, a chuva e a enchente acontecem em meio a uma onda de frio. O carroceiro Gilmar dos Santos, 45 anos, que o diga. Ele é um dos vitimados pelas cheias do Rio dos Sinos. A casa ribeirinha que ele levou anos para concluir, às margens da Faixa Nova, via interna que liga Novo Hamburgo a Campo Bom, ficou com pouco mais que o telhado de fora. Enregelado, ele acordou na madrugada de sábado com água pelos joelhos. Conseguiu remover a cama e roupas para fora. O roupeiro, os armários, uma estante, dois sofás e os eletrodomésticos foram envolvidos pelo rio.
Santos passou a manhã de sábado, em plena chuva, montando um casebre improvisado em cima de sua carroça, a mesma que usa para recolher lixo seco e revender. Dormiu ali, num colchão. Conseguiu também levar o fogão, para se aquecer e tomar um mate. O resto estava debaixo da água, na casa de dois quartos, da qual só se enxerga o telhado.
Santos salvou também seus três cachorros e duas éguas, mas perdeu duas galinhas afogadas. Os móveis, de compensado, devem empenar após molharem, deduz o carroceiro
— Agora é começar de novo. Mas não é só comigo, tem gente que ainda tá doente — conforma-se Santos.
Em Campo Bom, cidade próxima dali, as águas atingiram 7m30cm, dois metros e 30 centímetros acima do usual. O prefeito Luciano Orsi, que está recolhido em casa, com coronavírus, teme que as cheias deixem muita gente doente. Ele contabiliza dois pontos alagados, mas o número pode aumentar nos próximos dias.
No bairro Canudos, divisa de Novo Hamburgo com São Leopoldo, ruas alagaram e cobriram carros. Os moradores não conseguem tirar seus veículos das garagens, em alguns pontos. Nada que não tenham visto antes.
— Já foi pior. Em 2013 atingiu o telhado — compara o mecânico Valdecir Michaelsen, que está com a água entrando no terreno da casa.
O mais grave, diz Michaelsen, é que crianças brincam nas águas, pouco ligando para a perspectiva de contrair doenças, como leptospirose e covid-19.
Em São Leopoldo o nível do rio chegou a 5m10cm, cerca de dois metros acima do normal. Até a manhã de domingo, a prefeitura contabilizava apenas duas famílias desalojadas, uma na Rua da Praia (próximo à prefeitura, na área central) e a outra no loteamento São Geraldo, no bairro Feitoria. Só que a probabilidade é que muitas outras pessoas estejam saindo de casa, embora ainda não tenham pedido ajuda das autoridades. É que as águas continuavam subindo, sobretudo em Campo Bom e Novo Hamburgo, de onde o rio desce em direção a São Leopoldo, para depois desembocar no Guaíba.
Por temor do coronavírus, as prefeituras do Vale do Sinos pretendem evitar que desabrigados rumem para ginásios. A ideia é espalhá-los em alguns pontos alternativos, como creches e salões paroquiais, onde não fiquem aglomerados. As orientações principais são: pegar todos os documentos das pessoas da casa, os medicamentos de uso contínuo e algumas peças de roupas. Também há cuidado com os animais, que precisam ser deixados em um local seguro.