SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Declaro para os devidos fins de direito que, caso eu seja diagnosticada com Covid-19, autorizo o uso de cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, gasolina, creolina, zinco, heparina, Novalgina, Rifocina, penicilina, Tetrex, Benzetacil, aspirina (...) e qualquer outra coisa que tiver a mínima possibilidade de me manter fora do caixão."
A mensagem foi postada no fim de semana em um grupo de WhatsApp que reúne milhares de médicos em todo o país partidários do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento do coronavírus.
Apelidados por seus críticos de "cloroquiners", os autointitulados "Médicos pela Vida - Covid-19" divulgaram na noite de segunda (25) seu "Protocolo de Tratamento Pré-Hospitalar Covid-19".
Com 39 páginas e repleto de indicações técnicas, dosagens de medicamentos, gráficos e referências bibliográficas, o protocolo é formalmente subscrito por 42 médicos e seus respectivos CRMs.
Ele se apresenta como um "documento oficial" a ser "aplicado pelo médico no atendimento de pacientes com Covid-19".
"Este protocolo nasceu da angústia dos médicos que se viram frente a frente com um inimigo desconhecido mas que, a exemplo de Dom Quixote, ergueram a lança e foram para cima do Dragão Covidiano ao grito de 'Vamos à luta para a implementação de um tratamento pré hospitalar!'", diz o documento em sua apresentação.
No mesmo dia da divulgação, a OMS (Organização Mundial da Saúde) havia suspendido um estudo em andamento com a cloroquina e a hidroxicloroquina por questões de segurança. Dois dias antes, a revista científica Lancet relacionara as drogas a mortes por problemas cardíacos em um estudo com com 96 mil pacientes.
Assim como os "Médicos pela Vida" e seu novo protocolo, o próprio Ministério da Saúde continua apresentando a cloroquina como uma alternativa para o tratamento precoce de infectados pelo coronavírus.
Em vários estados, o governo federal vem fazendo inclusive a distribuição, em grandes quantidades, de comprimidos de hidroxicloroquina e cloroquina fabricados pelo Exército, segundo informam equipes de atenção básica à saúde espalhadas pelo país.
Os coordenadores do protocolo lançado na segunda são médicos pernambucanos, um oftalmologista, Antônio Jordão de Oliveira Neto, e uma especialista em medicina nuclear, Cristiana Altino de Almeida, com quem a reportagem tentou entrar em contato por email e telefone, sem sucesso.
Embora a cloroquina tenha apoio de pessoas ligadas à saúde em todo o Brasil, o Recife tornou-se um dos centros do embate em torno da droga, sobretudo após a chegada de alguns carregamentos do medicamento doados pelo governo federal e de uma campanha dos médicos locais em seu favor.
O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco investiga em sigilo, por exemplo, a conduta de alguns médicos que vinham participando de um programa que promove tratamento e administração de remédios como a cloroquina em comunidades carentes do Recife e em outras cidades do interior.
A própria secretaria de Saúde do Recife chegou a anunciar, na semana passada, que distribuiria gratuitamente a cloroquina e a hidroxicloroquina em seus hospitais de campanha e nas 22 unidades básicas de saúde dedicadas a pacientes com a Covid-19.
Na segunda, após a decisão da OMS de suspender a pesquisa com a droga, o secretário de Saúde do Recife, Jaílson Correia, recuou e anunciou a retirada da cloroquina dos protocolos de uso dos hospitais.