Christiani Assis, 40 anos, conta que a madrasta, Maria Augusta de Campos Cordeiro, 60, começou a passar mal menos de 24 horas depois de ter ingerido a cerveja Belorizontina, da marca Backer, na casa de outra enteada, no bairro Buritis, em Belo Horizonte (MG), no dia 20 de dezembro.
Cinco dias depois, Maria Augusta procurou atendimento médico em Pompéu (MG), onde vivia, mas foi dispensada com diagnóstico de desidratação. Segundo Christiani, ela teve náusea, vômito, dores abdominais, paralisia facial, chegou a apresentar confusão mental e não urinava. No dia 26, já não conseguia se levantar e teve que ser levada ao pronto-atendimento por uma ambulância.
Em 38 horas, sem conseguir vaga em uma CTI com aparelho de diálise, Maria acabou morrendo.
Na semana passada, ela foi contabilizada como a quarta morte no caso da suspeita de intoxicação por dietilenoglicol que vem sendo investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais.
Nesta terça-feira (21), o número de pessoas com suspeita de contaminação subiu para 22 — 19 homens e três mulheres.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, todos apresentaram sintomas compatíveis com a intoxicação e ingeriram a cerveja da Backer.
Quatro pessoas tiveram a presença da substância no sangue confirmada. Outros 18 — incluindo três mortes — ainda estão sob investigação.
Na segunda-feira, o delegado responsável pelo caso, Flávio Grossi, pediu a exumação do corpo de Maria Augusta para confirmar se a morte dela está ligada à ingestão do produto. Apesar de nunca ter tido problemas nos rins, a certidão de óbito dela apontou insuficiência renal aguda.
— O que a gente quer mesmo é a verdade, porque ela, infelizmente, não teve acesso a um suporte hospitalar. Significa que iria conseguir sair? A gente não sabe. Mas não foi uma morte natural — diz a enteada.
Christiani e a irmã foram ouvidas pela Polícia Civil na segunda, assim como outras duas famílias. A oitiva de familiares continuou nesta terça, com mais cinco depoimentos.
Segundo o delegado, o objetivo é formalizar entrevistas que já vinham sendo tomadas no decorrer do inquérito, instaurado no dia 8 de janeiro.
Em comum, até o momento, as vítimas têm o fato de terem ingerido a cerveja depois de outubro e os sintomas.
A polícia trabalha com duas linhas de investigação: sabotagem e linha sem intenção, pela qual o anticongelante tenha entrado em contato com o líquido e contaminado a bebida.
— Eventualmente, elas podem se complementar. A gente não pode descartar nada — diz Grossi.
— Se houve uma sabotagem, foi a longo prazo, cerca de três meses, não foi um evento, não foi jogar uma sustância. O número de lotes apurados demonstram isso.
O delegado diz que é prematuro falar em suspeitos, mas que há envolvidos que foram ouvidos e outros ainda por ouvir.
O rumor de que funcionários ou mesmo uma concorrente possam ter boicotado a produção também está sendo investigado, apesar de não existir nada concreto até o momento.
O Instituto de Criminalística continua analisando amostras coletadas por peritos na cervejaria e na empresa química que vendia monoetilenoglicol à Backer — o produto é similar ao dietilenoglicol.
Nesta terça, a cervejaria apresentou uma análise feita pelo departamento de Química da UFMG, que aponta que a contaminação da cerveja pelo dietilenoglicol teria sido algo eventual.
O estudo confirmou a presença da substância em amostras de duas cervejas da empresa (Belorizontina e Capixaba), mas indica que houve um pico de contaminação em novembro, que teria diminuído nas semanas seguintes.
Bruno Botelho, professor que participou do estudo, explica que a concentração encontrada em um lote produzido em 11 de novembro demandaria que fossem despejados 166 kg no tanque, o que seria mais provável por vazamento ou outra falha do tipo.
A Backer diz que encaminhou o estudo às autoridades para auxiliar na investigação. A água utilizada na produção também foi analisada, mas não apontou presença de dietilenoglicol.
Apesar de existirem suspeitas sobre casos de contaminação que teriam ocorrido antes de outubro, a Polícia Civil diz que não tem registros disso até agora. Grossi afirma que a janela temporal estabelecida pode ser ampliada.
— A orientação é: há prejuízo, registre em qualquer unidade policial. Nós iremos depurar o que se encaixa na contaminação. A nossa janela temporal hoje existe porque as vítimas compraram, consumiram e os lotes foram produzidos dentro desse período de três meses — diz ele.