Desde que a crise se instalou no país, o número de beneficiários do Bolsa Família ficou estável ou caiu em nove dos 10 municípios mais ricos do Rio Grande do Sul. Gravataí, na Região Metropolitana, foi o único fora da curva. Quando analisadas as folhas de pagamento de agosto do programa (dados mais recentes disponíveis junto ao Ministério da Cidadania), de 2013 para cá, o número de lares contemplados saltou de 6,3 mil para mais de 9,8 mil, aumento de 56% (veja gráfico abaixo).
Nesse grupo em ascendência está Rejane Amaral, 51 anos. Desempregada, entrou para o cadastro há pouco mais de um ano. Recebe R$ 91 por mês, que “parece pouquinho”, mas “representa tanto”, segundo ela:
– É uma gota d’água quando se está morrendo de sede, sabe?
Rejane divide uma casa alugada, feita de alvenaria e madeira, com uma irmã e uma sobrinha. Dorme em um colchão na sala, que, durante o dia, acomoda em cima de um armário por causa da falta de espaço. Ex-servidora pública, a desempregada sofreu revés que a levou a recorrer à assistência.
– Sou cria da crise – resume.
Após pedir demissão do cargo público, se formou técnica em meio ambiente e partiu em um voo para Aracruz, município capixaba de 100 mil habitantes. No Espírito Santo, tinha a promessa de emprego na Sete Brasil, empresa criada para explorar a camada de pré-sal: em uma plataforma de petróleo, trabalharia 15 dias ininterruptos para outros 15 de folga.
Mas a empresa foi implicada na Operação Lava-Jato e o trabalho nunca apareceu. Após dois anos fazendo bicos de faxineira por lá, retornou a Gravataí para recomeçar. Sem renda, viu no programa um primeiro passo.
– Dizia: “meu Deus do céu, como posso estar recebendo o Bolsa Família?”. Mas, ao mesmo tempo, dá uma ajuda para respirar em um momento que se está passando por dificuldade – comenta a mulher sorrindo, sem perder o bom humor.
Ao acompanhar o aumento da assistência em Gravataí, Rejane passou a representar um novo segmento do Bolsa Família. São pessoas que perderam tudo por causa da crise e que têm o pagamento como uma espécie de seguro-desemprego – benefício pago somente por cinco meses – durante a procura por uma oportunidade.
– Sem o benefício, hoje, muita gente não tem com o que viver – avalia a secretária-adjunta da Família, Cidadania e Assistência Social de Gravataí, Joice Michels.
Para além da recessão, a secretária menciona outra causa para o aumento dos pagamentos no município, relacionado à capilarização dos centros de atendimento às famílias. Havia somente um ponto para o cadastramento, no Centro, até que, em 2013, outros quatro foram inaugurados, em áreas periféricas.
Levantamento de GaúchaZH nos dados do Ministério da Cidadania mostra que a quantidade de pessoas que acessam o benefício atualmente só não é inferior ao ano seguinte a sua implementação no Rio Grande do Sul. Quando analisadas as folhas de pagamento de agosto, em 2019, 349,2 mil lares do Estado receberam o pagamento, superando somente os 337,7 mil de 2005. Todos os meses, há famílias que entram e outras que saem do programa. Desde que atingiu o seu ápice, em 2012, o Bolsa Família encolheu 23% entre os gaúchos.