Foi sob forte choro e gritos de desespero que familiares de presos do Centro de Recuperação de Altamira, no sudoeste do Pará, ouviram a lista de mortos confirmados da rebelião que matou ao menos 57 pessoas nesta segunda-feira (29).
A doméstica Maria José Borges rezava em voz alta, pedindo pela vida do filho preso.
— Eu preciso saber informação, pelo menos que me digam se tá morto, porque não me falam, eu sei que ele errou, mas ele é humano, eu preciso saber alguma coisa.
Veja alguns dos nomes confirmados:
- Adriano Moreira de Lima
- Bruno Whesley de Assis Lima
- Carlos Reis de Araújo
- Deiwson Mendes Correa
- Deusivan da Silva Soares
- Efrain Mota Ferreira
- Eliesio da Silva Sousa
- Ismael Souza Veiga
- Jelvane de Sousa Lima
- João Pedro Pereira dos Santos
- Josivan Irineu Gomes
- Nathan Nael Furtado
- Natanael Silva do Nascimento
- Rivaldo Lobo dos Santos
- Evair Oliveira Brito
- Gilmar Pereira de Sousa
No fim da tarde, uma assistente social da unidade se aproximou da mureta que isolava as famílias.
Com uma lista nas mãos, ela chamou a todos, e começou a ler os nomes. Oito lidos foram até que o silêncio fosse quebrado pelos gritos de desespero de Josenita Irineu Gomes, ao ouvir o nome do irmão, Josivan Irineu Gomes.
— Ele não, ele não meu Deus, o que eu vou fazer agora, o que eu vou dizer pra minha mãe! — repetia, inconsolável.
A voz da assistente social pouco a pouco era menos nítida com o grito e choro dos parentes que ouviam a leitura dos nomes. Na lista, havia 16 mortos confirmados e os demais ainda com a identidade em apuração.
Dos assassinados, ao menos 16 foram decapitados. Os corpos devem ser levados diretamente para o IML de Belém — o núcleo de medicina legal em Altamira funciona em um pequeno espaço. A Superintendência do Sistema Penintenciário (Susipe) não deu detalhes da forma como estão acondicionados, desde a manhã, os corpos dos mortos na unidade prisional. Um caminhão frigorífico, com o nome da empresa coberto por sacos pretos, chegou no fim da tarde.
O superintendente Jarbas Vasconcelos foi ao presídio de Altamira pela tarde e voou de helicóptero sobre a área do presídio. Por volta das 16h, ele se reuniu com a direção da unidade e agentes de segurança. Depois, saiu sem falar com a imprensa.
Segundo a Susipe, a rebelião começou por volta das 7h, durante o café da manhã. O motivo do massacre é uma disputa entre duas facções criminosas pelo controle da unidade prisional de Altamira, segundo o governo do Pará.
O Comando Classe A (CCA) é adversário da facção carioca Comando Vermelho (CV), quem vem se expandindo no Norte por meio de alianças regionais e da perda de poder na região do Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo do massacre do Ano Novo de 2017 nos presídios de Manaus.
Sempre de acordo com a versão oficial, membros do CCA colocaram fogo na cela de um pavilhão controlado pelo CV. A maioria das 57 mortes ocorreu por asfixia, e outros 16 internos foram decapitados.
"Foi um ato dirigido. Os presos chegaram a fazer dois agentes reféns, mas logo foram libertados, porque o objetivo era mostrar que se tratava de um acerto de contas entre as duas facções, e não um protesto ou rebelião dirigido ao sistema prisional", afirmou o superintendente da Susipe, Jarbas Vasconcelos, em nota à imprensa.
A PM conseguiu conter a rebelião e faz ao longo do dia uma vistoria para recontar os detentos e avaliar os danos à unidade.
O Centro de Recuperação Regional de Altamira já havia sido palco de uma rebelião em setembro do ano passado, que terminou com sete pessoas mortas.
Relatório do CNJ mostrou que a unidade tem condições classificadas como "péssimas". Além de superlotada — 343 cumpriam pena no local, mais que o dobro da sua capacidade, de 163 vagas —, inspeção do conselho detectou que "o quantitativo de agentes é reduzido frente ao número de internos custodiados".
O CNJ também constatou que a penitenciária não tem bloqueador de celulares, enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho ou salas de aula.
O Pará, quarto estado mais violento do país, vem registrando o avanço das milícias, fenômeno que só encontra paralelo no Rio.
Reportagem recente da Folha mostrou que em nenhum outro estado brasileiro organizações criminosas comandadas por policiais e ex-policiais estão tão organizadas, estruturadas e dominam áreas tão vastas.
Segundo investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do estado, os milicianos dominam o transporte alternativo em várias regiões, a venda de gás em diferentes favelas, a oferta de serviços de TV a cabo, a venda e transporte de produtos contrabandeados e serviços de segurança. Além disso, controlam parcela considerável do tráfico de drogas local, rivalizando com as facções criminosas.
Outros grandes massacres em presídios do país
1992
Carandiru (São Paulo): Polícia entra em presídio após confronto generalizado e mata 111 presos
2017
Manaus: na virada do ano, série de rebeliões deixou 67 mortos em uma semana
2019
Altamira: disputa de facções pelo controle do Centro de Recuperação Regional de Altamira deixa 57 mortos
2019
Manaus: em dois dias, rebeliões em quatro presídios deixam 55 mortos
2017
Boa Vista: em reação às mortes ocorridas em Manaus dias antes, detentos matam 33 pessoas
2004
Rio de Janeiro: rebelião na Casa de Custódia de Benfica deixou mortos 30 presos e um agente penitenciário
1987
São Paulo: entrada da PM na Penitenciária do Estado para conter motim deixa 31 mortos
2002
Porto Velho: com decapitação, choque elétrico e enforcamento, motim no presídio Urso Branco termina com 27 mortos
2017
Nísia Floresta (RN): dando sequência à crise de janeiro de 2017, motim deixa 26 mortos na Penitenciária de Alcaçuz
2018
Santa Izabel (PA): rebelião e tentativa de fuga termina com 22 mortos na região metropolitana de Belém