Com as chuvas que atingiram a Fronteira Oeste nos últimos dias, quase dobrou o número de famílias fora de casa em Quaraí. Conforme boletim da Defesa Civil estadual, divulgado na manhã deste sábado (19), são 239 moradores entre desalojados e desabrigados na cidade. Já a prefeitura contabiliza ao menos 400 pessoas nessas condições.
Os desabrigados foram levados para o CTG Sentinela, para o piquete Piazito e para o ginásio da escola municipal Professor José Diehl. Dividindo o espaço entre colchões empilhados e dezenas de sacos de roupas doadas, o vendedor autônomo Paulo Cesar Santos, 44 anos, conta emocionado que a maior ajuda tem vindo da diocese da cidade.
— O pessoal da igreja ajuda muito. Às vezes nem precisamos cozinhar, eles trazem tudo.
Observando a neta de oito anos que atravessa de ponta a ponta a quadra de futsal do ginásio, que nem de longe lembra o enlameado pátio de casa, o vendedor afirma que entre suas prioridades está conseguir um emprego e receber ajuda para comprar produtos de limpeza. Ele está há oito dias fora de casa, hoje inabitável.
— A casa está um fedor de peixe morto. E como estou sem emprego, preciso de dinheiro para comprar produtos de limpeza e comida, porque a despensa tem pouco — relata.
No ginásio, panelas de batata, ovos, óleo, arroz e feijão são todos frutos de doações.
A cidade de Quaraí amanheceu com sol, após uma semana em que o mau tempo predominou. Ainda assim, ruas seguem alagadas e postes têm apenas o transformador visível. Dezenas de casas estão até o telhado encobertas.
Apesar da diminuição nas chuvas, o vento aumenta a correnteza, e as águas do Rio Quaraí chegaram a locais que antes não haviam sido atingidos. A casa de Carlos Sanchez foi desocupada neste sábado. O que antes o vigilante observava como drama dos vizinhos, agora também é seu.
— Quem mora aqui perto do rio não pode ter móveis muito bons. E ainda fico com medo de perder o pouco que tenho — afirma, sentado em uma calçada com barracas improvisadas, onde precisou dormir nesta noite.
Os campos do Viveiro, tradicional sede de torneios de futebol-sete no município, amanheceram tão cheios como se fossem um clube náutico. Moradores e trabalhadores do entorno afirmam que, na tarde de sexta-feira, a água não passava do pé das goleiras. Hoje ela quase encobre o travessão.
— A água começou a subir hoje. Sobe muito rápido, e já tapou até o campo aqui na frente — afirma a piloto de motos da empresa de telentrega “33”, Fabiana Falcão, 30 anos.
Já habituado a combater a força do Rio Quaraí, Pedro Freitas, 60 anos, adaptou uma régua, feita a partir de um lastro de madeira branca com marcações em escala. Ele vive há 38 anos em uma das casas mais próximas da margem.
— Já estou acostumado com as enchentes. Eu marco no relógio e de hora em hora confiro — afirma, desenhando na calçada um mapa do fluxo da água que invade a Rua Dr. Acauã e o beco Nadal da Luz, no Centro.
O cata-vento que trabalha sem parar indica que os próximos dias serão de correnteza e muito trabalho. O subchefe da defesa civil estadual, Coronel Rodrigo Dutra afirma que o Rio Uruguai, onde os afluentes do Rio Quaraí deveriam desembocar, está subindo, e ultrapassou em 1,2 metro a cota de inundação. O próprio Quaraí também já passou a marca de alerta, estando agora em 9,18 metros, quando o máximo para ter segurança não deveria passar de 8,65 metros.