O jornalista Paulo Renato Marques Cancian, um dos mais atuantes profissionais da imprensa de Caxias do Sul desde o final da década de 1960, morreu nesta quinta-feira (20), aos 67 anos. Ele estava internado no Hospital Geral.
Cancian deixa a mulher, Justina Inês de Farias Cancian, a filha, Tassiana de Paula Cancian Fragoso, e os netos Gabriel, João Guilherme e Davi. Ainda não informações sobre data e local do velório.
Desde 2017, Cancian prestava assessoria ao Sindimadeiras, junto à Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul, e apresentava o programa Caxias Memória, na Rádio Caxias. Mas sua trajetória jornalística, que em 1º de janeiro de 2019 completaria exatos 50 anos, abarcou as mais variadas funções nos mais importantes veículos de comunicação da cidade. Entram aí, além da citada Rádio Caxias, a antiga TV Caxias - Canal 8, a UCS TV, o Jornal do Comércio, Jornal de Caxias, Correio Riograndense, Folha de Hoje, Folha de Caxias e Tempo Todo, fora a atuação como correspondente dos jornais Zero Hora e Jornal do Brasil. Entre tantos feitos, participou também da implantação do Jornal Pioneiro diário, do qual foi editor e diretor.
Parte dessa rica história foi contada pelo próprio em novembro de 2014, numa espécie de autoentrevista reveladora na Revista Acontece, do amigo e também jornalista Paulo Rodrigues, que autorizou a reprodução a seguir:
Sou jornalista por vocação e exerço a atividade há 45 anos. Mas até descobrir o caminho perambulei por outros sonhos. Com 11 anos me imaginei lutando pela Legalidade, motivado pelos discursos de Brizola que acompanhava dia e noite pela rádio Guaíba. A eloquência transmitida pelo microfone me fez sonhar em ser, algum dia, um locutor de rádio. Quando a Revolução bateu lá em casa atrás do grupo dos 11, o professor José Francisco Cancian começou a pensar na mudança. Dois anos depois, num mês de agosto gelado desembarcamos em Caxias do Sul. E eu com aquele sonho de ser locutor.
Residir em Caxias foi um salto monumental. A maior cidade que conhecia até então era Passo Fundo, minha terra natal. Fui para Erechim com um ano de idade e saí de lá com 15. Mais velho de seis irmãos, a frequência aos colégios dependia da situação econômica da família.
Quando o pai conseguia desconto ou permuta por serviços, eu ia para escola particular como o das irmãs de São José e o Medianeira da Congregação Marista, onde fui ser interno. Quando a coisa apertava meu destino era a escola pública. Gostava de "ajudar à Missa", do teatro estudantil, da prática esportiva nos campinhos da cidade.
Comecei a pensar na alternativa de me profissionalizar no futebol jogando como goleiro. Passei pelos juvenis do E.C. Juventude mas fiz a opção pelo trabalho. Fui o primeiro funcionário da Mapro, a pioneira na montagem de luminosos a partir do acrílico. Minha função era recortar as letras na serra fita. Estudei no Cristóvão, que foi a base dos meus relacionamentos. Ao mesmo tempo, entendi que levava jeito para o futebol na posição de goleiro. Praticava o esporte diariamente por quadras cobertas, que eram raras, e na várzea. Viagens na carroceria de caminhões, com amigos do Reno, Bangu, Lusitano e Juventus.
Me tornei um homem de comunicação em 1º de janeiro de 1969, como redator da Rádio Caxias. Escrevia todos os noticiários da emissora enquanto prestava atenção nos últimos ajustes para a inauguração da TV Caxias Canal 8. A maioria dos profissionais da emissora acabou atuando na TV. Eu não entendia nada de produção televisiva, o que aguçou minha curiosidade profissional. Acabei chegando a este estágio pelas mãos de Osvaldo Ferreira, com quem tive o privilégio de trabalhar na criação fazendo dupla com figuras notáveis como Jorge Alves e Marte Fros Guerrero. Eles, talentosos homens de arte, enquanto cabia a mim os textos.
Como a agência assumira um espaço de 5 minutos antes do Jornal Nacional, também tive a oportunidade de passar a produzir e redigir o noticiário. Bafejado pela sorte, a TV Caxias (hoje RBS TV) precisou de um redator para seus noticiários, especialmente o "Hoje na Notícia". um telejornal com uma hora de duração, o primeiro no horário na televisão brasileira.
Daí para a frente, fui preenchendo minhas três carteiras profissionais e meia. Lá constam todas as emissoras de rádio de Caxias do Sul, agências de publicidade locais e nacionais, jornais daqui e sucursais de veículos impressos do centro do país e do Carmo, em efêmera substituição do meu pai. Atrevido, lecionei redação em cursinho pré-vestibular e na Escola Técnica. Graças à minha profissão, tive a chance de viajar a trabalho pelo Brasil e por alguns países do mundo em diferentes continentes.
Pratiquei aquilo que no no jargão da reportagem chama-se "clínica geral", pois escrevia sobre polícia, futebol, educação, cidade, economia e especialmente editoriais. Tive muitas oportunidades, alcancei a posição de editor de jornais importantes como Pioneiro, Folha de Hoje e Tempo Todo, este um semanário que empreendi durante 12 anos e que se transformou no mais novo diário da cidade, a Folha de Caxias.
Das reportagens diferenciadas que fiz, destaco a visita de uma semana às bases brasileira e chilena na Antártida, a excursão de 38 dias do Esporte Clube Juventude pela Ásia e Oriente Médio, que revelou o talento de Luis Felipe Scolari como técnico, e a presença na Copa da África em 2010 acompanhando missão técnica oficial de Caxias do Sul.
Recebi a ajuda de muitas pessoas e, pela graça de Deus, pude estar presente e até liderar momentos importantes da história da comunicação em Caxias do Sul. A transformação do jornal Pioneiro em diário; a implantação de programação predominantemente jornalística nas rádios São Francisco e Caxias; a viabilização do sistema de rádios FM da UCS, colocar em operação definitiva com programação regular o Canal 15 da UCS no cabo e depois a TV Educativa em sinal aberto.
Ostento na minha sala de pensar o registro profissional no MTPS nº 3507, a Medalha do Mérito Universitário outorgada pela UCS, e o Título de Cidadão Caxiense conferido pela Câmara de Vereadores da terra que me adotou. No coração o tesouro mais precioso: a amizade de milhares de amigos, de fontes, de histórias. Um colega, após ouvir relatos de uma antiga autoridade local exaltando seus inúmeros feitos, saiu-se com essa: "eu queria lhe parabenizar por tantas obras. Mas me diga: em que momento o senhor decidiu que 7º dia era para descansar? Espero não ter passado esta visão aos leitores".