Michel Temer passa a ser alvo de uma nova investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta terça-feira (12), o ministro Luís Roberto Barroso decidir pela abertura de inquérito para apurar fatos relacionados ao Decreto dos Portos, editado em maio deste ano. A apuração se dará sobre possíveis crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva.
Também serão investigados o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures, além de Antônio Celso Grecco e Rodrimar Ricardo Conrado Mesquita, respectivamente, dono e diretor da Rodrimar, empresa que opera no Porto de Santos.
A necessidade de uma investigação sobre a edição do Decreto dos Portos foi inicialmente apontada pelo procurador em junho, quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ao Tribunal a denúncia contra Temer por corrupção passiva. Analisando o que foi informado pela PGR, Barroso disse que há "elementos suficientes para instauração e inquérito".
Leia mais:
"Facínoras roubam do país a verdade", diz nota do Planalto
Temer diz que "não participou nem participa de nenhuma quadrilha"
"Os elementos colhidos revelam que Rodrigo Rocha Loures, homem sabidamente da confiança do Presidente da República, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio Presidente da República, em troca da edição de ato normativo de específico interesse de determinada empresa, no caso, a Rodrimar S/A", assinalou Barroso na decisão de abertura do inquérito.
Barroso faz uma ponderação sobre "ônus pessoal e político" da investigação de um presidente da República, mas que isso não pode impedir a apuração.
"A ninguém deve ser indiferente o ônus pessoal e político de uma autoridade pública, notadamente o Presidente da República, figurar como investigado em procedimento dessa natureza. Mas este é o preço imposto pelo princípio republicano, um dos fundamentos da Constituição brasileira, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e exigir transparência na atuação dos agentes públicos. Por essa razão, há de prevalecer o legítimo interesse social de se apurarem, observado o devido processo legal, fatos que podem se revestir de caráter criminoso", afirmou Barroso.
"Presentes os elementos indiciários mínimos da ocorrência do fato e de eventual autoria por pessoa com foro por prerrogativa de função perante esta Corte, determino a instauração do inquérito, devendo o feito ser autuado como tal", decidiu Barroso.
Apesar de o pedido de investigação ter sido feito por Janot, caberá a Raquel Dodge, que assume na próxima semana a chefia da PGR, conduzir o inquérito. A indicação de Dodge ao cargo de procuradora-geral da República foi feita por Temer e referendada pelo Senado.
Contrapontos
Em manifestação enviada ao STF, a defesa do presidente Michel Temer afirma que a empresa Rodrimar S/A não foi beneficiada pelo "Decreto dos Portos". No texto, o advogado Antônio Claudio Mariz, representante de Temer, diz também que a investigação tem objetivo de enfraquecer o governo.
"Portanto, mostra-se que as alegações aduzidas nos presentes autos, no que diz respeito ao Sr. Presidente da República, estão contaminadas por inverdades e distorções maliciosas da realidade, visando ao enfraquecimento de seu governo, a instabilidade das instituições e da própria sociedade brasileira."
Já a Rodrimar afirmou, em nota, que recebeu serenamente a notícia de autorização do STF para abertura de um inquérito determinado a apurar se o setor portuário foi beneficiado pelo recente "decreto dos portos". "Em seus 74 anos de história, a Rodrimar nunca recebeu qualquer privilégio do Poder Público. Prova disso é que todos os seus contratos estão atualmente sendo discutidos judicialmente", diz a nota.
A Rodrimar encerra nota afirmando que, "assim como seus executivos, estão, como sempre estiveram, à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento que se fizer necessário”.
O caso
Apesar de a petição da PGR falando da necessidade de investigação ter sido enviada em junho, apenas no dia 31 de agosto ela se manifestou a respeito da relatoria. Após verificar que não haveria conexão desta investigação com um inquérito que já tramitou no STF sobre o Porto de Santos e foi arquivado em 2011, Janot pediu a livre distribuição do pedido de abertura de inquérito entre todos os ministros. No sorteio, o escolhido foi Barroso.
As suspeitas sobre Temer em torno da edição do Decreto dos Portos surgiram a partir de uma conversa de pouco mais de dois minutos com Loures interceptada pela Polícia Federal (PF) em 4 de maio. Loures, que foi assessor especial da Presidência, estava grampeado. O deputado tentava saber sobre a assinatura do Decreto dos Portos e Temer informou que iria assiná-lo na outra semana.
Depois da conversa com Temer, Rocha Loures passou informações por telefone a Ricardo Conrado Mesquita, membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Terminais Portuários e diretor da empresa Rodrimar, que opera no Porto de Santos.
O nome de "Ricardo" é apontado pela Procuradoria como um dos possíveis intermediários de repasses ilícitos para Temer. Na denúncia que foi enviada ao STF em junho, a PGR, nos diálogos interceptados, identifica os codinomes "Ricardo", "Celso", "Edgar" e "Coronel" como pessoas que possivelmente recebiam repasses para Loures e Temer.
O presidente assinou em 10 de maio decreto para facilitar investimentos privados nos portos. Na conversa ao telefone, o presidente indica o que é uma das principais mudanças previstas no decreto: o aumento para 35 anos de prazos dos contratos de arrendatários, prorrogáveis por até 70 anos. Após Loures comentar que teve informação de que já teria sido assinado o decreto, Temer responde:
"Não. Vai ser assinado na quarta-feira à tarde... Vai ser numa solenidade até, viu?".
Em outro trecho da conversa, o presidente diz que "aquela coisa dos setenta anos lá para todo mundo parece que está acertando aquilo lá...".
"Têm-se, pois, elementos de prova no sentido de que o denunciado Rodrigo Loures, homem de total confiança do também denunciado Michel Temer, não apenas mencionou diversas pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses financeiros ilícitos para Temer, como também atuou para produção de ato normativo que beneficiara justamente a sociedade empresária possivelmente ligada às figuras de 'Ricardo' e 'Celso', no caso Rodrimar S.A., nas pessoas de Ricardo Conrado Mesquita, diretor, e Antônio Celso Grecco, sócio e presidente", escreveu Janot em junho.
Quando veio à tona o novo pedido de abertura de inquérito, a assessoria do Palácio do Planalto informou que o presidente não iria comentar o pedido da PGR.