José Juarez Azambuja veste colete laranja e é reconhecido pelo nome por onde passa em Uruguaiana. Pedidos de lona, de resgate de móveis e – o que mais lhe comove – para remoção de pessoas ilhadas lideram seus afazeres nas últimas duas semanas. Azambuja é agente de trânsito, mas toda vez que o Rio Uruguai transborda, ele é deslocado para compor a força-tarefa da Defesa Civil.
– Não dá para dizer que a gente se acostuma, mas são quatro anos nessa lida. Posso dizer, sim, que dá satisfação. Faz meus problemas parecerem insignificantes - sintetiza o servidor público.
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Uruguaiana é assim: uma cidade acostumada à enchente, mas que ainda é fortemente atingida quando chove muito. Áreas de risco invadidas, moradores relutantes em deixar suas casas e um rio que vai encobrindo lenta e progressivamente ruas e residências castigam o município que tem apenas dois funcionários fixos na Defesa Civil. Por isso, se não fosse por servidores como Juarez e uma porção de voluntários, a vida de quem é atingido pela cheia do Uruguai seria ainda mais difícil.
Rio Uruguai se elevava 2cm por hora na segunda-feira
Que o diga Fabiana Brinck. A dona de casa de 34 anos estava com os quatro filhos, com idades entre oito e 16 anos, e o neto de apenas cinco meses, quando acordou com a água na porta da residência.
– Ontem o rio estava lá adiante – diz, apontando para uma área a cerca de 30 metros de distância, onde, naquele momento, só se via a copa de árvores e telhados de casas vizinhas – Sabia que isso poderia acontecer. Dormi acordada.
Fabiana ficou tentando ligar para o ocupado telefone da Defesa Civil e conseguiu contato somente no fim da manhã, quando chegou Azambuja e um caminhão do Exército carregado de militares. Foram eles que retiraram móveis e pertences de valor da casa de madeira e possibilitaram que Fabiana pudesse levar os filhos para a residência de uma vizinha.
– Já fiz duas cirurgias no coração, estava agoniada, com uma dor aqui no peito. Agora, estou mais aliviada – contou ela, enquanto alguns parentes erguiam uma barraca de pau e lona do outro lado da rua.
Com medo de saques – até as folhas de zinco dos telhados são alvo de aproveitadores –, a grande parte dos atingidos tem feito o mesmo para conseguir vigiar suas residências. Tanto que o número de moradores desalojados (em barracas ou casa de vizinhos e parentes) é bem maior do que o de pessoas em abrigos públicos - 1,3 mil contra 267, conforme o último balanço de segunda-feira.
Mesmo quem optou pelos abrigos necessita de ajuda. No centro esportivo Nova Esperança, cada família ocupa um "apartamento", com divisórias e teto de lona, e todos colaboram. Mas é Leandro Mendes da Silva Cassabueno, oficialmente um "profissional autônomo do ramo de guarda-carros", como diz, que assumiu a função de "síndico".
– Conheço o seu Paulo (Woutgers, coordenador municipal da Defesa Civil) e disse: "Deixa comigo". Então, recebo as comidas, os materiais de limpeza e distribuo. Também fico pedindo o que falta - explica Cassabueno.
Além de voluntário, ele é morador. Depois de 13 dias abrigado, quando retornou ao local onde ficava sua casa, não localizou nem sequer o telhado. As águas do Rio Uruguai que engoliram o casebre não param de subir no município há três semanas. Na segunda-feira, se elevaram 2cm por hora – velocidade que surpreende até os moradores mais experientes em cheias. Com a marca de 11m23cm – o nível normal é 5m – , alcançada no início da noite de ontem, essa é considerada a terceira maior cheia desde 1983, quando o rio chegou a 13m50cm. A segunda maior enchente foi em 2014, quando o nível chegou a 11m82cm.
COMO AJUDAR
A Defesa Civil Estadual está recebendo doações. Entre os itens mais pedidos, estão alimentos não perecíveis, roupas, colchões, lonas e produtos de higiene e limpeza. Quem quiser ajudar pode ligar para o número 199 e se informar sobre qual o local de coleta mais próximo.