Uma experiência centrada na religiosidade é a proposta do roteiro Caminhos de Caravaggio, que irá interligar os santuários em homenagem à Santa em Canela e Farroupilha. A ideia é explorar uma das características mais marcantes da Serra: a fé que está registrada em igrejas e capitéis ao longo do trajeto.
Além dos municípios de partida e chegada, a rota vai passar por Gramado, Nova Petrópolis, Caxias do Sul e Vale Real. Quem sair da Região das Hortênsias iniciará a caminhada por cenários urbanos, com saída do Parque do Saiqui, em Canela. A área abriga um pequeno santuário de madeira, um altar com a estátua da Santa e uma basílica em construção. Os espaços para as celebrações contrastam com estrutura encontrada em Farroupilha, onde está uma imponente igreja, no estilo romano, que abriga até duas mil pessoas, e até mesmo com chamado Santuário Velho, que foi restaurado entre 2011 e 2012.
Apesar das diferenças arquitetônicas, o visitante encontrará, além dos elos de fé, outras semelhanças, como o registro de ex-votos e grandes áreas ao ar livre onde o vento não para. Ao longo dos Caminhos de Caravaggio, no entanto, isso mudará muitas e muitas vezes. O sobe e desce é constante no trajeto. Alguns desses morros são, para o corpo, desafios de resistência. É uma característica que vai aparecer principalmente no interior dos municípios. Esse, aliás, é um dos pontos a serem alinhados. A proposta inicial era um roteiro rural, mas Canela e Gramado querem que os peregrinos passem pelos centros das cidades. Nova Petrópolis também avalia essa possibilidade.
Nessas cidades, os peregrinos vão encontrar pontos turísticos reconhecidos nacionalmente. É o caso da Catedral de Pedra de Canela. Quem passa por ali costuma se admirar com o templo religioso de 65 metros de altura, em estilo gótico e que possui um carrilhão com 12 sinos fabricados na Itália.
"Todas as vezes que eu venho (a Canela), volto aqui na igreja porque eu acho muito linda. Na minha opinião, é um ponto turístico muito importante. Eu acho uma das igrejas mais lindas que já vi", diz a turista Caroline Jantz, que mora em Santa Catarina.
O trecho de Canela é formado apenas por áreas urbanas, o que o difere dos outros municípios. Principalmente em Caxias do Sul e Farroupilha, o interior se sobressai, com passagem por comunidades pacatas e longos trechos sem casas ou empreendimentos. Isso faz com que a rota tenha diferenças marcantes: o peregrino vai encontrar paisagens urbanas, com restaurantes, hotéis, lojas e bastante asfalto, até chegar às comunidades rurais que resguardam a parte mais interessante porque são, ao mesmo tempo, árduas para o corpo e reconfortantes para a alma.
Diante dos olhos, vão se formando cenas diversas com estradas de chão batido, paralelepípedos e algum asfalto. Uma hora é mata nativa e caminhada ao lado do rio. Um pouco mais e se avista uma casa isolada, com açude, animais e cercada de plantações. Anda-se mais alguns quilômetros e uma pequena comunidade acolhe o peregrino.
É o caso de Santa Lúcia do Piaí, no interior de Caxias do Sul. Em uma das possibilidades de roteiro, esse é um ponto de apoio. É onde os turistas poderão parar para descansar e se reabastecer. Moradora da comunidade, Irene Betin da Silva avalia que a rota pode ajudar no desenvolvimento e explica que o distrito costuma encantar visitantes.
"Eles gostam muito daqui, principalmente da Praça. Eles dizem que é um lugarzinho pequeno, mas que a praça é muito bem cuidada, bonita, calma. E a gente tem, agora, restaurante. Se o pessoal quer passar por aqui, tem aonde almoçar, jantar, tomar um café".
Essa é uma das muitas igrejas que o peregrino vai encontrar. O mapeamento ainda não está completo porque o roteiro não está definido. Ao longo dos dias 12 e 17, a reportagem da Gaúcha Serra fez grande parte desse roteiro preliminar, passando por todos os municípios contemplado, e visualizou 21 templos religiosos. Grande parte é pitoresco, como a igreja de Santo Izidoro: uma construção em madeira, pintada de azul, rodeada de um belo gramado, no interior de Caxias do Sul. E nem só o ponto de partida e chegada serão de homenagem a Caravaggio. Pelo menos, outras três lembranças à santa são feitas em nome de localidades ou de igrejas.
Um dos traços mais salientes da cultura da Serra, a religiosidade está representada não apenas pelas igrejas católicas. Templos de outras crenças também estão na rota dos visitantes, como a Igreja Evangélica Luterana Cristo Redentor de Faria Lemos.
O roteiro é, inclusive, uma boa oportunidade para conhecer a história regional. Basta reparar nas diferenças arquitetônicas em casas e igrejas ao longo do caminho que passa, por exemplo, por Nova Palmira, onde foram realizadas as primeiras demarcações de Caxias do Sul. Já em Nova Petrópolis, o município instala uma placa em uma pedra junto à igreja da Comunidade de Nossa Senhora do Pedancino como homenagem ao berço da colonização italiana no município de predominância alemã.
Parte das construções é centenária, como a Capela São José, do final do século 19 e restaurada no ano passado. Essa é a primeira igreja de alvenaria de Farroupilha. .
"São vários os locais que a gente sente que vai ter um acolhimento, uma energia muito positiva. São locais únicos, de uma pequena construção a um grande monumento. Então, vão ser várias as paisagens e elementos que a gente vai conseguir oferecer para as pessoas nesse caminho", destaca a turismóloga da Secretaria de Turismo de Farroupilha, Marisa Poloni.
Marcas da cultura regional que estão além da religiosidade
Nem só de fé será essa experiência. No Vale Trentino, nos municípios de Farroupilha e Caxias, destacam-se os processos de produção de vinhos, sucos e espumantes. O peregrino poderá conhecer esse trabalho, além de se deliciar com a gastronomia típica dos descendentes de italianos. Mesmo que o roteiro não tenha data para operar, empreendedores alimentam boas expectativas. Há uma década, pequenas vinícolas se preparam, na expectativa do aumento do fluxo de turistas, o que ainda não aconteceu.
É o caso da Vinhos Silvestri, que mantém uma área de terras com parreirais de uva, a residência da família, a vinícola atual e um prédio onde começou a produção de bebidas. Nesse último, está um pequeno memorial com a história dos proprietários e da Festa do Vinho Novo, de Forqueta. Dono do negócio, Edegar Silvestri conta o que o visitante encontra por lá:
"A gente tem desde a degustação dos nossos produtos até a visitação à vinícola, além da visitação aos vinhedos. Temos videiras de mais de 100 anos que ainda estão em produção. E mais a nossa hospitalidade. A gente está aqui para atender bem aos clientes".
Os símbolos das tradições locais são encontrados também no capricho do crochê utilizado para adornar garrafas de bebidas que ficam junto ao memorial. Perto dali, a Vinícola Cappelletti investiu na construção de um prédio específico para o varejo de vinhos, sucos, espumantes, pão, queijo, salame. Dá para levar ou lanchar no local. Para quem resolver ficar, a dica é sentar na mesa aos fundos do prédio que fornece uma bela vista para os vinhedos. A proprietária Rosane Meggiolaro Cappelletti diz que os "Caminhos de Caravaggio" são também uma oportunidade para os negócios.
"É uma boa chance para a gente atender o turista que vem com o motivo de conhecer as vinícolas, ver como é feito o processo do vinho e o espaço, que é um lugar muito bonito. Esse é um Vale que, pelo que eu conheço, é difícil de achar um lugar como esse".
Desafios para a implantação do roteiro
Apesar do potencial já identificado, ainda existem muitos desafios pela frente. Um deles é chegar a um acordo sobre qual será a sugestão de trajeto aos peregrinos. O trabalho ainda é embrionário. A expectativa é avançar nesse aspecto em uma reunião marcada para o próximo dia 5.
A ideia é que o roteiro seja autoguiado. Por isso, a sinalização do trecho, com indicações bem claras, será uma das etapas fundamentais. Conforme o secretário do Turismo de Farroupilha, Francis Casali, a captação de recursos vai ocorrer por meio de projetos junto ao governo federal.
Outro passo é desenvolver material de apoio, como um guia e o levantamento histórico de cada ponto. A intenção é oferecer acesso por meios digitais. Uma frente de trabalho que deve requerer muito esforço é o treinamento dos moradores das comunidades por onde passa o roteiro para que eles estejam aptos a receber os turistas.
O certo é que a devoção a Nossa Senhora de Caravaggio será uma das grandes impulsionadoras. O vigilante Carlos Alexandre Pereira Furtado costuma ir ao Santuário de Farroupilha para agradecer por uma graça alcançada.
"Sempre que possível que eu venho porque é um lugar muito bom, muito tranquilo", conta.
Mesmo que a rota exata ainda não esteja definida, os Caminhos de Caravaggio terão cerca de 150 quilômetros entre um santuário e outro. É bom mesmo que a chegada seja em um lugar onde a paz conecte os devotos ainda mais à própria fé e o corpo tenha bons ares para o descanso.