Recepcionado no aeroporto por uma multidão barulhenta, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é conduzido pelas ruas de Curitiba até o prédio da Justiça Federal, onde pela primeira vez ficará frente a frente com o juiz Sergio Moro. Do lado de fora, 50 mil militantes aguardam o fim da audiência entoando palavras de apoio ao petista e contra a Lava-Jato. Nos últimos dias, esse cenário vem sendo idealizado por dirigentes do PT, de partidos aliados e movimentos sociais.
A ação, batizada de Ocupa Curitiba, é planejada para 3 de maio, quando Lula for interrogado no processo em que é acusado de ser o "comandante máximo" do esquema de corrupção da Petrobras, no qual teria recebido R$ 3,7 milhões em propina da OAS. Das cinco ações penais nas quais Lula é réu, este é o processo mais avançado. Em entrevista a uma rádio do Ceará, o petista disse, no último dia 7, que não vê a hora de responder diretamente a Moro sobre as acusações:
– Estou ansioso para esse depoimento porque é a primeira oportunidade que vou ter para saber qual é acusação e prova que eles (a força-tarefa da Lava-Jato) têm contra mim. Só não vale dizer que têm convicção. Prova significa documento, conta bancária. Já quebraram meu sigilo bancário e telefônico. Sinceramente, não sei qual é o limite deles de invadir a minha vida.
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A recepção a Lula em Curitiba está sendo organizada pela Frente Brasil Popular, movimento que abriga 68 organizações de esquerda. O autor da iniciativa é um militante que foi expurgado pelo PT. Presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta foi expulso da legenda em 1995 e, desde então, tornou-se crítico feroz dos ex-colegas. Agora, surge como um dos mais aguerridos defensores de Lula, diante do avanço da Lava-Jato. Em vídeo publicado na internet, Pimenta chama Moro de vigarista e diz que a eventual prisão do petista seria a "largada para um ataque generalizado ao movimento operário popular e de esquerda".
– Nossa palavra de ordem: organizar caravanas de todo o país, um ato monstro em Curitiba. As pessoas devem cercar o Lula, ele deve ter 50, 60, cem mil guarda-costas e ninguém pode chegar perto dele. A palavra de ordem tem de ser: "não vai prender!" – diz Pimenta no vídeo.
No PT, cresce a ideia de realizar uma série de mobilizações em Curitiba. Alguns dirigentes querem que Lula chegue à cidade em 1º de maio, para um grande ato pelo Dia do Trabalho. No dia seguinte, ele participaria de encontro com juristas críticos à Lava-Jato e de vigília na Praça Santos Andrade, a quatro quilômetros da Justiça Federal.
A meta é reunir sindicalistas, operários, sem-terra e demais ativistas de esquerda numa demonstração de força em apoio ao ex-presidente.
– É uma ação de um conjunto de movimentos sociais do país todo, inclusive entidades que não são do campo do PT, mas que entendem que a Lava-Jato se tornou ferramenta de perseguição política. Não é um ato de candidatura, nem tem relação com a eleição de 2018, mas sim contra os abusos da Lava-Jato – afirma Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Segundo a presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná, Regina Cruz, quase todos os dias a entidade recebe telefonemas de pessoas querendo informações de como será a mobilização. Regina procura um local para montar um acampamento, mas é contra a ida de militantes para a frente do prédio da Justiça Federal. Além do risco de confronto com apoiadores de Moro, Regina alerta para eventuais acusações de obstrução judicial:
– Creio que o melhor é todo mundo ficar esperando o Lula na Praça Santos Andrade. Ele depõe acompanhado dos advogados e depois vem até nós para falar ao povo.
A Polícia Militar do Paraná estuda a adoção de esquema especial de segurança para o depoimento. Na semana passada, um ativista que mantém um quiosque em frente à Justiça Federal lançou convocação na internet em represália à mobilização da esquerda.
– Estamos convocando você, patriota, você, brasileiro, para que venha a Curitiba dia 3 de maio apoiar o juiz Sergio Moro e exigir a prisão desse vagabundo, safado e sem-vergonha do Lula – vociferou Cristiano Roger, um dos organizadores do acampamento Lava-Jato.
O processo
-Chamado pelo Ministério Público Federal (MPF) de "comandante máximo" do esquema na Petrobras, Lula é processado por corrupção e lavagem de dinheiro.
-De acordo com a denúncia, ele teria recebido R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS.
-O ex-presidente foi denunciado junto com a mulher, a ex-primeira-dama Marisa Letícia (cuja punibilidade foi extinta após a morte), o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e cinco executivos da OAS, entre eles, o ex-presidente da empresa Leo Pinheiro.
-Lula foi denunciado quatro vezes por lavagem de dinheiro e três vezes por corrupção. No entendimento do MPF, ele teria recebido vantagens indevidas, dissimuladas na forma da aquisição, reforma e decoração de um triplex no Condomínio Solaris, no Guarujá, litoral de São Paulo.
-Outro pagamento de propina teria ocorrido no custeio do armazenamento de seus bens pessoais. A mudança e o
depósito dessa carga teriam sido pagos pela OAS, ao custo de R$ 1,3 milhão.
-A força-tarefa da Lava-Jato pediu que Lula e os demais denunciados tenham os bens bloqueados até o alcance da soma de R$ 87 milhões, cifra considerada o valor total dos prejuízos à Petrobras.
O depoimento
-O interrogatório de Lula está marcado para as 14h do dia 3 de maio, na 13ª Vara Federal de Curitiba.
-Ao chegar ao local, o petista pode escolher se entra pela porta principal do prédio ou pela garagem, para ter mais privacidade.
-O depoimento será na sala de audiência do 2º andar, onde pela primeira vez Lula se sentará à frente do juiz Sergio Moro.
-Moro ocupará uma posição central na mesa em formato de U. De um lado, ficam Lula e seus advogados. Do outro, os procuradores do MPF.
-A imprensa não terá acesso ao prédio, mas a audiência será gravada em áudio e vídeo. O material será disponibilizado ao final do depoimento.
-Se preferir, Lula pode não ser filmado. O áudio de suas respostas, contudo, será gravado.
-Lula também pode permanecer calado diante das perguntas. Além de Moro, podem questioná-lo o MPF e seus advogados.