Patrimônio Cultural e Ambiental do Rio Grande do Sul, o Jardim Botânico de Porto Alegre está com o futuro incerto desde que o governador José Ivo Sartori sancionou a lei que extingue a Fundação Zoobotânica, atual gestora do local. E o temor de que a descontinuidade dos serviços resulte na perda do acervo da entidade levou o Ministério Público (MP) a mover ação judicial para exigir do governo garantias de manutenção do trabalho de preservação natural – um dever constitucional do Estado – e de tarefas exigidas por lei – como a elaboração da lista de espécie ameaçadas no RS.
A titular da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema), Ana Pellini, afirma que uma "comissão de transição está com incumbência de estabelecer o que é indispensável", e que buscará parcerias com universidades.
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Confira abaixo alguns serviços realizados pelo Jardim Botânico e pelo Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais, administrados hoje pela fundação, e cujo continuidade é incerta após a extinção da entidade.
Preservação de plantas raras
O Jardim Botânico possui muitas plantas raras e delicadas, que podem morrer se ficarem apenas 15 dias sem o manejo adequado. Entre elas estão espécies de bromélias e cactos, muitas ameaçadas de extinção.
Só entre os cactos (foto), o espaço abriga 65 tipos diferentes, que representam 80% das espécies desses vegetais na flora gaúcha. Deste acervo, 90% corre risco de desaparecer do planeta.
As plantas estão distribuídas em vasos, que ficam dentro de estruturas cobertas, semelhantes a estufas, onde a visitação é restrita a pesquisadores. Estão sob cuidados de biólogos especializados, que controlam a temperatura, os nutrientes e a água que recebem, evitando que pragas as ataquem.
Manutenção e aumento das coleções
Ambientalistas alertam que a Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) não tem servidores especializados para cuidar do acervo da Fundação Zoobotânica, que inclui coleções de sementes, plantas e animais (vivos ou em conservação). Um exemplo são os taxonomistas, profissionais responsáveis pela descrição das espécies da fauna e da flora. Sem eles, as coleções correm risco de não serem mais atualizadas ou perderem exemplares. Isso porque, além do tratamento dos animais vivos e da troca constante de produtos nos quais os exemplares mortos estão conservados, é preciso rever o acervo cientificamente, revisando os nomes das espécies e incluindo as novas descobertas.
Doutor em Aracnologia, Ricardo Ott (foto acima) é o taxonomista curador da coleção de aranhas do Museu de Ciências Naturais, uma das três maiores do país, com 1,3 mil espécies (30%) das aproximadamente 5 mil existentes no Brasil.
Lista de espécies ameaçadas de extinção
O Código Estadual do Meio Ambiente prevê que o governo "fará e manterá atualizados" os cadastros da flora e da fauna gaúcha, "em especial das espécies nativas ameaçadas de extinção", como bromélias (foto acima). Elaboradas pela Fundação Zoobotânica e publicadas em 2014, essas listas custaram ao Estado R$ 150 mil, por causa da criação de um sistema elaborado em parceria com a Companhia de Processamento de Dados do RS (Procergs), cuja operação faria o preço de novas listas cair para menos de R$ 50 mil.
Pela iniciativa privada, a estimativa de custo é de R$ 4,7 milhões, segundo consultores do Centro Nacional de Conservação da Flora, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que faz a lista nacional de espécies em extinção.
Planos de manejo para unidades de conservação
Por lei federal, toda unidade de conservação deve ter um plano de manejo, assim como as cidades têm um plano diretor. O documento estabelece o zoneamento e como será o uso da área, o que incluiu qual tipo de empreendimento pode ser feito. Pelo Código Estadual do Meio Ambiente, esses planos precisam ser revistos a cada cinco anos.
No Estado, a Fundação Zoobotânica realiza alguns desses documentos, como o do Parque Estadual do Delta Jacuí, com 14 mil hectares, ao custo de R$ 176 mil. Para comparar: a iniciativa privada realizou o mais recente plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Jacuí, com 8 mil hectares, quase metade do tamanho da área do parque, ao custo de R$ 948 mil.
Criação de serpentes para extração de veneno
O Museu de Ciências Naturais possui o único serpentário científico do Rio Grande do Sul, com quase 400 animais, alguns ameaçados de extinção, como a jararacuçu (foto). O local também é o único da América Latina a criar em cativeiro, com êxito, a coral pampeana, com bichos vivos há seis anos – em outros serpentários, a espécie morre rapidamente. As cobras são usadas para extração de veneno, matéria-prima enviada ao Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro, para a fabricação de soro antiofídico distribuído nacionalmente. No Estado, só a fundação faz esse serviço. De acordo com o biólogo Roberto Oliveira, do Núcleo de Ofiologia de Porto Alegre, o serviço é importante para garantir a eficácia do soro no socorro de acidentes com cobras no Estado.
– Os venenos variam muito conforme a espécie e a região que habitam. As cascavéis do Estado têm toxina em concentração muito mais elevada do que as do resto do país. Por isso, é fundamental garantir a disponibilidade de veneno das cobras daqui no conjunto para produção de soro.
A resposta
ZH enviou perguntas ao secretário de Governo, Carlos Búrigo, sobre manutenção de coleções, estudo de custos sobre elaboração de cadastros de espécies, entre outros itens. Preferiu não se manifestar sobre o assunto e indicou a secretária do Ambiente, Ana Pellini, em seu lugar.
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Por que é importante preservar?
Embora não tenha impacto imediato como questões de saúde e educação, a preservação ambiental é um direito tão essencial quantos esses dois.
É o que diz a Constituição, em seu artigo 225: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".
A carta magna ainda determina que "incumbe ao poder público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção".
Além disso, alguns dos serviços realizados pelo Jardim Botânico, como a elaboração de listas de animais em extinção e de plano de manejo de unidades de conservação, são obrigações legais do Estado, previstas no Código Estadual do Meio Ambiente.