Em meio à onda de violência nas ruas do Espírito Santo, ferramentas digitais assumiram papel central na disseminação de pânico entre a população. Aplicativos como WhatsApp e redes sociais como Twitter e Facebook ajudaram a reforçar laços de solidariedade, mas também contribuíram para multiplicar os boatos e amplificar a sensação de insegurança – inclusive por meio de "perfis-robôs", criados para compartilhar mensagens de conteúdo duvidoso.
Os coordenadores do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fábio Malini e Fabio Goveia, acompanharam o fenômeno de perto – como testemunhas e pesquisadores.
Na virada de domingo para segunda-feira, ápice da crise, ambos receberam centenas de mensagens de texto e áudio e dezenas vídeos alardeando o caos no Estado. A maioria reproduzia rumores e provinha de fontes desconhecidas.
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– Foi uma verdadeira guerrilha virtual. No sábado, o secretário da Segurança tentou combater isso desqualificando os boatos e o movimento dos PMs, supondo que seria o suficiente. A minha percepção é de que o governo subestimou o potencial explosivo do rastro de pólvora – diz Goveia.
No Twitter, Malini contabilizou 350 mil postagens sobre a crise no Espírito Santo só na segunda-feira. Pelo menos 315 mil (90%), segundo ele, eram retuítes (mensagens republicadas) e partiam basicamente de 5 mil usuários. Procuravam denunciar a desordem nas ruas, inocentar os PMs de culpa, criticar a postura do governo e reprovar a atuação da imprensa.
– A maioria desses perfis tinha claros indícios de atividade robótica, quase sempre favorável aos amotinados. Na prática, a força que os boatos ganharam serviu para empoderar os PMs – avalia Malini.
No início da última terça-feira, conforme Goveia, uma das tags (palavras-chave) mais ativas no Twitter era #EspiritoSantoEmCaos. À medida que a chance de acordo entre grevistas e governo ganhou força ao longo do dia, o termo mais retuitado passou a ser #negociagovernador.
– A gente supõe que isso tenha sido coordenado por grupos ativistas ligados aos PMs, para pressionar o governo – afirma Goveia.
Embora as novas tecnologias tenham servido, também, para a troca de informações úteis, o pós-doutor em Comunicação, Sergio Denicoli dos Santos, conclui que os efeitos colaterais das mensagens falsas foram mais fortes. Santos é pesquisador da Universidade do Minho, em Portugal, e está no Espírito Santo.
– Os próprios PMs disseminaram muitos dos boatos, o que reforçou o sentimento de insegurança e, por tabela, acabou influenciando até mesmo a ação dos bandidos – diz.
O que são e como funcionam os perfis-robôs
– Identificar robôs no Twitter é relativamente simples: eles geralmente são monotemáticos, têm grande número de retuítes, às vezes repetidos, em curto espaço de tempo, e seguem poucas pessoas.
– Existem diferentes tipos de perfis-robôs ou com atividade robótica.
– Há os chamados bots, criados no Twitter e programados para reagir automaticamente a mensagens que contenham determinadas palavras-chave, retuitando as postagens.
– Há também o caso de grupos de pessoas pagas ou com atuação voluntária que compartilham determinadas mensagens dezenas de vezes para levar o assunto aos trending topics (lista dos mais comentados) ou desconstruir informações ou reputações. Exemplo: a última campanha eleitoral para a Presidência da República.
Muita calma nessa hora
Em seu perfil no Facebook, o professor Fábio Malini, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), escreveu sobre como se comportar diante de rumores disseminados nas redes. Confira:
"Em teoria de redes, o sucesso dos rumores depende da existência de: (1) ansiedade no público, (2) ambiguidade da fonte e do conteúdo da informação, (3) envolvimento pessoal no tema e (4) laços sociais diretos.
Então, recomendo: (1) muita calma nessa hora. Conte até 10 antes de sair compartilhando qualquer coisa. (2) Desconfie de quem compartilha informação não apurada e intervenha quando o conteúdo tiver mentiras. Partilha de verdade é ótimo nessas situações. Vale até usar hashtags #IssoéVerdade. (3) Tente não se envolver tanto no assunto, aguarde os comunicados oficiais dos quais você precisa para se organizar. (4) Seus parentes e amigos também estão ansiosos, querem te ajudar. Mas se certifique com mais de uma pessoa próxima se a informação passada para você procede. Quem divulga boato, quer plantar incertezas."
Exemplos de boatos que circularam nas redes
Greve, mas em Pernambuco
A foto acima foi disseminada entre domingo e segunda-feira, via WhatsApp e redes sociais, como prova da chegada do Exército ao Espírito Santo. Só que a imagem, na verdade, é da greve da Polícia Militar de Pernambuco, em 2014, e retrata a cidade de Recife. Naquele momento, o Exército ainda não havia assumido a segurança em Vitória.
Roubo de viatura, só que não
Criminosos roubaram viatura da Polícia Militar no Espírito Santo. Falso ou verdadeiro? Falso. A foto acima é de 2013 e até rendeu reportagem em jornais de Vitória. Foi feita durante evento com a participação do Batalhão de Missões Especiais, que expôs equipamentos para promover a aproximação com a comunidade.