Disposta a reduzir o tamanho da dívida, a maior do mundo em seu setor, em dois anos a Petrobras se desfez de blocos de exploração de petróleo, patrimônio no Exterior e participações em empresas menores. Conseguiu levantar US$ 13,6 bihões. Até 2018, a meta é ainda mais ousada: alcançar US$ 21 bilhões. Elogiada por analistas de mercado, que veem a agilidade em fechar negócios como compromisso com a recuperação da saúde financeira, a estatal também colhe críticas com seu plano de desinvestimento: a rapidez em concluir acertos pode impelir a companhia a vender a preços mais baixos do que realmente valem.
Desde 2014, a petrolífera acumula prejuízos na maioria dos trimestres, sem conseguir manter resultados positivos consistentes. Desvios de recursos e pagamentos de propinas revelados no âmbito da Lava-Jato ajudaram a corroer a credibilidade da estatal, que deve R$ 325,6 bilhões, em números de setembro. Agora, com o programa de cortes em curso, a empresa promete aumentar investimentos em áreas estratégicas e o atual presidente, Pedro Parente, fala de 2017 como o "ano da virada".
Leia mais
Rumo da Petrobras aumenta dúvida sobre polo petroquímico e Refap
Agora vai ser difícil justificar falta de repasse nos preços nos postos
A captação de US$ 4 bilhões com a emissão de bônus no Exterior, nesta semana, uma estratégia para esticar o prazo para pagar suas dívidas, indica que o mercado financeiro está satisfeito com a atual gestão. Foi o dobro do valor planejado.
Desde que assumiu o comando da companhia, no final de maio, prometendo "uma gestão profissional e sem interferência do governo", Parente anunciou uma série de venda de ativos, entre as quais a primeira de uma área no pré-sal. A fatia de 66% na área de Carcará, na Bacia de Santos, foi negociada por US$ 2,5 bilhões.
– Um péssimo negócio. A Petrobras pagou ao governo, quando da cessão onerosa de sete blocos, o equivalente a US$ 8 por barril. Mantendo essa cotação, Carcará valeria ao menos US$ 12 bilhões – critica Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras.
Desde o início de junho, a ação preferencial da Petrobras (que dá preferência na distribuição de dividendos) subiu 94,4%. Na avaliação do mercado, conta mais a agilidade da gestão em executar o ousado plano de desinvestimento – e, assim, conseguir reduzir o tamanho da dívida da empresa – do que o exame apurado da venda de cada ativo.
– É difícil conciliar celeridade nos negócios com maximização de valores. Mesmo que algum ativo seja vendido abaixo do preço ideal, o que o mercado olha agora é o esforço da diretoria em desinchar a estatal, diminuir de tamanho. Uma dívida dessa magnitude não dá espaço para muita meditação. Cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) dizer se os negócios estão dentro do rito ou não – afirma Valter Bianchi, da gestora de patrimônio Fundamenta.
Hoje avaliada em R$ 15,90, a ação da estatal chegou a valer R$ 4,15 em fevereiro de 2016. Entre erros e acertos do programa de desinvestimento, houve mais pontos positivos, pondera o especialista em petróleo Adriano Pires. O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura cita como exemplo a maior transparência na política de preços e o foco em áreas estratégicas, mas também vê enganos:
– Se desfazer da BR Distribuidora e da Transpetro, por exemplo, só trará prejuízo à companhia. São setores fundamentais. Melhor se desfazer de outros ativos, que não trazem tanto retorno.
José Maria Rangel, coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), entidade que representa a maioria dos funcionários da estatal, critica a venda de ativos como estratégia para reduzir o endividamento. Segundo Rangel, o mercado de petróleo passa por um momento de "superoferta", com várias companhias ao redor do mundo tentando se desfazer de ativos, e qualquer negócio fechado agora significa menor avaliação:
– Ainda no ano passado, apresentamos à direção documento com uma série de sugestões para aliviar o caixa, sem que precisasse vender patrimônio. Por que não manter a política do preço dos combustíveis agora, que é favorável à companhia, ou dedicar esforços para alongar mais a dívida?
DO POÇO AO POSTO
Por meio de suas subsidiárias (empresas encarregadas de tarefas específicas), a Petrobras atua da exploração ao varejo no mercado brasileiro. Plano da direção é focar em áreas específicas.
Exploração e produção
-A exploração e a produção de petróleo e de gás natural são as atividades centrais da empresa. A companhia agora quer concentrar seus investimentos na atividade-fim, na pesquisa e retirada das matérias-primas em águas ultraprofundas, sua maior especialidade.
- No ano passado, a Petrobras anunciou a primeira venda de um bloco no pré-sal ainda em avaliação (sem produção). Passou para a estatal norueguesa Statoil a participação de 66% na área de Carcará, na Bacia de Santos, considerado uma das "joias da coroa", por US$ 2,5 bilhões.
Transporte e comercialização
- Por meio da subsidiária Transpetro, atua no transporte e estoque de petróleo, biocombustíveis e gás. Opera navios petroleiros e terminais de armazenagem.
- Em setembro de 2016, concluiu negociação para venda de 90% dos gasodutos no Sudeste para consórcio liderado pela canadense Brookfield por US$ 5,2 bilhões.
Geração de energia elétrica
- A estatal também opera ou tem participação em usinas termelétricas, eólicas e pequenas centrais hidrelétricas.
- Decidida a sair do setor, a empresa colocou à venda suas 20 térmicas, mas não encontrou comprador. A ideia agora é agrupar as usinas, com capacidade instalada de 6.239 megawatts (MW), em uma única empresa para voltar a oferecer o ativo no mercado.
Refino de petróleo e gás
- A Petrobras transforma o óleo extraído em gasolina e diesel. Apesar de produzir todo o volume de petróleo que consome, o Brasil importa combustível do Exterior porque não tem capacidade de refinar tudo que retira dos poços.
- A venda de participações em refinarias como a Refap, de Canoas, é a principal novidade do novo plano de negócios da estatal, apresentado ao mercado no final do ano passado.
Petroquímica
- A Petrobras atua em petroquímica e gás-química, produzindo matéria-prima para várias indústrias. Tem participação em empresas como a Braskem, uma das maiores do mundo no segmento.
- Em dezembro passado, a Petroquímica Suape (PE) foi vendida por US$ 385 milhões. A estatal estaria disposta a vender sua fatia na Braskem, mas não confirma.
Biocombustíveis
- Criada em 2008, a Petrobras Biocombustível é a responsável por produzir etanol de cana-de-açúcar e biodiesel, retirado de óleos vegetais (como os de soja e canola).
- Já foram vendidas participações em empresas menores para cumprir o plano estratégico que prevê a saída dessas atividades. A gaúcha BSBios está na fila.
Distribuição
- A Petrobras também se encarrega de vender combustíveis ao consumidor final, por meio da BR, com 7,5 mil postos no Brasil. A companhia domina 37,5% do mercado brasileiro nesse segmento.
- Em 2015, o conselho da companhia chegou a aprovar a venda de pelo menos 25% da BR. No ano passado, optou por dividir o controle dessa unidade. Atraiu investidores interessados em compartilhar o controle, mas acabou barrada pela Justiça em dezembro.
Venda de gás
- Líder no mercado de botijões de até 13 quilos, a subsidiária Liquigás chegou a atender cerca de 8,5 milhões de residências. Dominava um quarto do mercado no país.
- No ano passado, foi definida a venda da Liquigás à Ultrapar, por R$ 2,8 bilhões. Como o negócio concentra 45,6% do mercado, há previsão de restrições no Cade.
Negócios no Exterior
- A Petrobras tem unidades em países vizinhos, como Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Uruguai.
- Já vendeu 67% da Petrobras Argentina e toda a distribuição no Chile. Também passou adiante uma refinaria no Japão, por US$ 129 mihões.
NEGÓCIOS À MESA
Plano de desinvestimento mirou diferentes setores da empresa.
TRANSAÇÕES CONCLUÍDAS
*Ativos na Argentina para a Companhia Geral de Combustíveis (CGC), por US$ 101 milhões.
*Venda de 49% da subsidiária Gaspetro para a Mitsui Gás e Energia do Brasil, pelo valor de US$ 540 milhões.
*A Petrobras concluiu em outubro a venda da participação de 67,19% na Petrobras Argentina (Pesa) para a Pampa Energía, por US$ 897 milhões.
*Venda de 100% das ações da empresa Nansei Sekiyu para a japonesa Taiyo Oil Company, por US$ 165 milhões em dezembro 2016.
*A Petrobras vendeu sua participação no bloco de Carcará, na Bacia de Santos, para a Statoil Brasil Óleo e Gás. O negócio foi anunciado em julho. A operação foi fechada por US$ 2,5 bilhões.
*Venda de 100% da Petrobras Chile Distribuición (PCD) para Souther Cross Group, por US$ 464 milhões.
OPERAÇÕES APROVADAS
*A Petrobras Biocombustível fechou acordo para venda de sua parte na Guarani, uma das empresas líderes do mercado brasileiro de açúcar e etanol, para o grupo francês Tereos. A participação da petrolífera brasileira corresponde a 45,97% do capital da companhia. O valor é de US$ 202 milhões.
*Venda de 90% da participação acionária da Petrobras na empresa de gasodutos Nova Transportadora do Sudeste (NTS), por US$ 5,19 bilhões. O comprador é o Nova Infraestrutura Fundo de Investimento em Participações, gerido pela canadense Brookfield Brasil Asset Management Investimentos.
*Assinatura do contrato para venda da Petroquímica Suape e da Citepe para subsidiárias da mexicana Alpek, em dezembro. As duas empresas fazem parte do Complexo Industrial Químico-Têxtil da companhia, em Pernambuco. O valor total é estimado em US$ 385 milhões.
*Assinatura do contrato para venda da Liquigás Distribuidora para Ultrapar. A empresa que atua no engarrafamento, distribuição e comercialização de gás liquefeito de petróleo (GLP) foi negociada por aproximadamente R$ 2,8 bilhões.
* Petrobras Biocombustível fecha acordo em dezembro para venda de sua participação (49%) na empresa Nova Fronteira para a sócia no negócio, São Martinho. O valor é de US$ 133 milhões.
O QUE ESTÁ EM NEGOCIAÇÃO
*A Petrobras começa a discutir com a Karoon Gas Austrália a venda de 100% da participação no campo de Baúna e de 50% no de Tartaruga Verde. Nenhum é de pré-sal. O negócio avaliado em US$ 1,5 bilhão foi barrado pela Justiça Federal de Sergipe, acionada por funcionários da estatal, por falta de licitação.
*Participação na BR Distribuidora. A direção da companhia optou por compartilhar o controle de sua unidade de distribuição de combustíveis. A oferta atraiu investidores, mas acabou barrada pela Justiça em dezembro passado.
*Terminais de gás natural liquefeito (GNL) e termelétricas associadas. Empresas estrangeiras, como a coreana Korea Gas Corporation (Kogas), já demonstraram interesse.
*ZERO HORA