Descrito nos bastidores como um "arquipélago de 11 ilhas", o Supremo Tribunal Federal (STF) vive dias de discussões públicas entre ministros e de decisões que provocam a ira do meio político. Para magistrados, parlamentares e juristas, o comportamento tem explicação: excesso de protagonismo por parte dos integrantes da mais alta Corte do país.
As contendas recentes recaem sobre liminares dos ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux, criticadas por Gilmar Mendes. Derrotado em plenário depois de afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, Marco Aurélio teve um eventual impeachment sugerido por Gilmar, que também atacou Fux por determinar, na quarta-feira, a devolução das medidas anticorrupção à Câmara. Nos dois casos, parlamentares reclamaram da intervenção do STF no Congresso.
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Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Daniel Barile da Silveira estuda a relação do Supremo com Legislativo e Executivo. Em suas pesquisas, observa que muitas intervenções nos demais poderes ocorrem por ações dos próprios políticos. Deputados e senadores não concordam com derrotas no parlamento e recorrem ao Supremo, a exemplo do que ocorreu ao longo do impeachment de Dilma Rousseff. Na terça-feira, a oposição tentou, via STF, parar a votação da PEC do Teto. Já a liminar de Fux atendeu a um mandado de segurança do deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
– Há uma judicialização da política, na qual o Judiciário é solicitado a ser a última voz. O Supremo adota decisões agressivas porque está sendo chamado a intervir com urgência em grandes questões da República – explica.
A fartura de ações, ampliada pelos casos de repercussão decorrentes da Operação Lava-Jato levados pela Procuradoria-Geral da República à Corte, cria terreno para que os 11 ministros "apareçam". Professor da FGV/Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números, Ivar Hartmann vê uma guinada no protagonismo do colegiado a partir do julgamento do mensalão, em 2012, quando os magistrados se tornaram mais conhecidos entre os brasileiros.
– O Supremo não escolheu que o mensalão ocorresse, não escolheu julgar o caso. Nestas liminares recentes, é diferente. Os ministros puxam para si o protagonismo com decisões individuais – pontua.
Dentro da Corte, as posturas de Marco Aurélio e Fux foram alvo de ressalvas dos colegas. Em casos delicados de interferência no Congresso, ministros costumavam comunicar o presidente da Corte antes de formalizar a decisão, acertando de forma célere a análise da turma ou do plenário. Foi o que fez Teori Zavascki ao acatar o pedido de prisão do então senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e a liminar que afastou Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da Câmara.
Ministro-aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp critica as liminares mais recentes e reconhece que, no momento, é preciso administrar as vaidades dentro do Supremo.
– É inconcebível que um ministro, por protagonismo, tome decisões individuais altamente questionáveis. Se for para ter notoriedade, que a decisão seja tomada pelo colegiado – afirma.
Nova presidente do STF, Cármen Lúcia encontra dificuldades para apaziguar o tribunal. Dos 11 ministros, alguns têm perfil discreto, como Teori, Rosa Weber e Celso de Mello. Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso e Gilmar gostam de falar. No caso de Gilmar, amigos afirmam que é do seu temperamento discordar de decisões e comentá-las pela imprensa. Seus desafetos afirmam que é um jeito de fazer política dentro e fora da Supremo. Para Hartmann, o ministro se comporta assim por saber que não será punido.
Relação entre poderes tende a ficar mais instável
Em um cenário com liminares que interferem no dia a dia dos parlamentares e com a ameaça de votações de leis que impactam nos salários e no comportamento dos magistrados, a relação entre Congresso e STF tende a ficar mais instável. Um dos riscos observados por juristas e políticos é a repetição de casos como o de Renan Calheiros, que se negou a cumprir a decisão do ministro Marco Aurélio Mello que o afastou da presidência do Senado.
– Renan fugiu do oficial de justiça, naturalizou que a decisão judicial não precisa ser cumprida – analisa o professor Ivar Hartmann.
Ex-presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e prestes a retomar o mandato de deputado federal, Wadih Damous (PT-RJ) afirma que não acataria a liminar de Luiz Fux, sobre a devolução do pacote anticorrupção, já aprovado, à Câmara.
– Um estudante de Direito teria vergonha de assinar uma liminar dessas. Eu não cumpriria a decisão do ministro Fux. O Judiciário tem de ser colocado no devido lugar – diz.
Parte da resposta dos parlamentes ocorre com projetos como o do crime de abuso de autoridade e em cima dos supersalários. Próximo do recesso do Legislativo e do Judiciário, ministros e políticos apostam que a eleição das presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, possa esfriar a tensão entre os poderes. A trégua ainda passa pela capacidade do presidente Michel Temer de manter uma base coesa diante do avanço da Lava-Jato, que propicia manobras de autoproteção do Congresso.