Com o projeto de lei que regulamenta a terceirização no país parado no Senado há vários meses, pode acabar na mão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão de permitir ou não que uma empresa contrate outra para realizar qualquer atividade.
Começa nesta quarta-feira o julgamento do recurso da Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) que, condenada nas três instâncias da Justiça trabalhista por repassar a outra companhia a tarefa de reflorestamento, tenta reverter a sentença na mais alta Corte do país. Qualquer que seja, a decisão deve servir de norte para magistrados do Trabalho em todo o Brasil. O relator do processo é o ministro Luiz Fux.
Especialistas na área veem como grande a chance de o STF rever a sentença do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e liberar a terceirização para todas as atividades, inclusive as consideradas essenciais para as companhias. Entre as razões, a forte pressão de empresários e críticas dentro da própria instituição. No mês passado, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o TST tem "má vontade com o capital" e adota jurisprudência no sentido de "hiperproteção" do trabalhador.
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Maria Carolina Seifriz Lima, do escritório Andrade Maia, avalia que os ministros do Supremo podem chegar à conclusão diferente, uma vez que a Justiça não deve restringir o que a lei não define:
– Mesmo que libere a terceirização, certamente o STF vai impor requisitos e limites.
Professor da Unicamp, o sociólogo Ricardo Antunes avalia que a liberação total da terceirização será devastadora para os trabalhadores porque impõe jornadas mais longas e salários mais baixos:
– As consequências são imprevisíveis. Se levarmos em consideração a qualidade de vida dos profissionais que já atuam em setores terceirizados hoje, o retrocesso será imenso.
Como funciona atualmente
Sem legislação específica sobre o tema, magistrados da Justiça trabalhista costumam levar em consideração a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para tomar decisões. O texto determina que a terceirização no Brasil só deve ser dirigida a atividades-meio e não atividade-fim. Apesar de mencionar alguns tipos de serviços considerados passíveis de terceirização, como vigilância, conservação e limpeza, a súmula não estabelece regra clara para diferenciar as atividades.
Na prática, dois juízes podem chegar a conclusões diferentes em relação ao mesmo caso.
Entenda o processo
A ação movida pela Celulose Nipo Brasileira (Cenibra) tenta reverter decisão da Justiça trabalhista que considerou ilícita a terceirização promovida pela empresa. A Cenibra foi autuada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por contratar outra companhia para realizar florestamento e reflorestamento, uma atividade-fim, no entendimento do MPT. A Cenibra alega que sua atividade-fim é a produção e comercialização de celulose e seus derivados.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O que é terceirização?
É o processo pelo qual uma empresa deixa de desempenhar diretamente certas atividades e serviços e contrata outra companhia para fazê-lo em seu lugar. Nessa relação, a contratante figura como a “tomadora de serviços” enquanto a contratada é denominada “prestadora de serviços”. O maior atrativo da terceirização para o setor privado e a administração pública é ficar, por intermédio de tal processo, liberado do pagamento de série de obrigações trabalhistas e de encargos sociais.
Existe alguma lei que regulamenta a terceirização no país?
Não existe norma geral que regule esse modelo de contratação para todas as atividades econômicas. Após julgar sucessivos casos referentes ao tema, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a súmula 331, que veda a terceirização nas atividades-fim desempenhadas pelas empresas, permitindo o procedimento apenas para atividades-meio.
O que são atividade-fim e atividade-meio?
As atividades-fim são aquelas que integram o núcleo do processo produtivo a que se dedicam as empresas. Nesse sentido, a atividade-fim de um banco seria a prestação de serviços financeiros à população, enquanto a de uma siderúrgica seria a produção de aço para o setor industrial. As atividades-meio compreendem serviços que não são inerentes aos processos que caracterizam as finalidades econômicas das empresas. Por exemplo, a limpeza ou a portaria do prédio onde funciona uma metalúrgica seria atividade-meio.
O que está em votação no Supremo?
O Supremo Tribunal Federal (STF) apreciará a possibilidade de que a terceirização seja estendida para toda e qualquer atividade desenvolvida pelas empresas do setor privado. Hoje, não é admitida nas atividades-fim, segundo entendimento do TST.
Quem é a favor?
O setor empresarial defende a possibilidade sob argumento de que a contratação indiscriminada de terceirizadas encontra respaldo na Constituição. Além disso, alega que a implementação implicaria redução de custos com pessoal e, assim, impactaria positivamente o nível de emprego do país.
Quem é contra?
Entidades representativas de trabalhadores argumentam que a terceirização indiscriminada ampliará a precarização das condições de trabalho, gerando maior adoecimento e acidentes ocupacionais, e provocará redução do nível salarial dos empregados em geral.
Quais impactos sociais a liberação total pode provocar no país?
Com a implementação indiscriminada da terceirização, muitas empresas tendem a não contratar diretamente os trabalhadores necessários para o desempenho de suas atividades corriqueiras, valendo-se, ao invés disso, de firmas prestadoras de serviços que oferecerem, no mercado, preços mais atraentes e que, possivelmente, acabarão pagando salários mais baixos.
Quais são os principais setores afetados de imediato com a decisão do Supremo?
Com a eventual liberação generalizada da terceirização, todos os setores econômicos poderão contratar empresas prestadoras de serviços tanto nas atividades-fim quanto nas atividades-meio. A expectativa é de que, de imediato, a terceirização passe a ser ainda mais difundida em setores nos quais já vem sendo utilizada há algum tempo, como nas empresas de teleatendimento e nos bancos.
A quem é subordinado o trabalhador terceirizado?
O trabalhador terceirizado não é considerado, a princípio, empregado da empresa tomadora de seus serviços. Por essa razão, o cumprimento das obrigações trabalhistas fica a cargo da firma prestadora, que figura em sua carteira de trabalho como empregadora.