Nesta sexta-feira, um militante político veio a mim reclamando que nós, moradores de favelas, não lutamos contra os golpes que o Brasil tem sofrido e tal. Nem vou entrar no mérito se foi ou não golpe, porque esse papo já passou e agora o que resta é aceitar e rezar para que tudo dê certo. Mas a real é que o asfalto, pela primeira vez, sentiu o impacto de um "golpe".
Nós, nas quebradas, vivemos isso há muito tempo. Talvez, seja por isso que não surtamos tanto. Acham que estou maluco? Explico: toda vez que um novo traficante ou facção toma a comunidade onde moramos, tudo muda, assim como muda quando um novo governo assume. Às vezes, o novo chefe do tráfico, para mostrar que tem poder, mata pessoas de maneira cruel. Às vezes, para mostrar que é "bandido consciente", paga festa de fim de ano. Às vezes, promove baile funk e, com seus soldados, tira a virgindade de um monte de "novinhas" – os pais precisam ficar quietos por medo.
Os golpes no país de chão batido são mais constantes e letais do que os do asfalto. Não existe espaço para militantes apaixonados ou indignados, nos resta aceitar e não tomar partido, para não morrer.
É rotina
Quando esses golpes acontecem, raramente quem mora em suas casas confortáveis sai para protestar e lutar por nós. O que rola é, geralmente, torcerem o nariz quando a empregada chega atrasada porque teve tiroteio na sua rua.
O que alguns chamam de crime, nós chamamos de rotina. O que alguns chamam de crise, nós chamamos de rotina. O que alguns chamam de golpe, nós chamamos de rotina.