A inflação, o aumento nos custos de manutenção e a busca por segurança do patrimônio têm criado nos últimos anos um mercado paralelo de seguros no Brasil. São as chamadas cooperativas ou associações de proteção veicular que já se expandem para outras áreas.
A prática começou em Minas Gerais com veículos de passeio e ganha cada vez mais força. A reportagem da Rádio Gaúcha constatou que o modelo avança, principalmente entre caminhoneiros.
Grupos de profissionais ou pequenos empresários se unem numa verdadeira ação entre amigos para cobrir gastos com acidentes, furtos e roubos. A Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores estima que atualmente no Brasil existam cerca de 400 entidades exclusivamente de caminhoneiros que oferecem a chamada proteção veicular. Não há um levantamento oficial da quantidade de caminhões vinculados a elas.
No entanto, se levarmos em conta a média de veículos ligados às 30 entidades filiadas à Fenacat, com 35 mil caminhões registrados, chegaremos mil, cento e 16 por associação. Ou 466.667 caminhões que deixam de contratar seguros no país. A assessora jurídica da Fenacat Virgínia Laira sustenta que as associações se tornaram fundamentais para os autônomos.
"O caminhoneiro era obrigado a contratar seguros, mas não tinha condições. Aí o caminhão dele era roubado. Esse caminhão era financiado e ele ficava sem caminhão, com prestação para pagar que não tinha condições e com o nome sujo. E consequentemente não conseguia nem se empregar como caminhoneiro".
Virgínia explica que o caminhoneiro só entra numa associação por indicação de outro associado.
"Primeiro lugar ele tem que ter um rastreador com monitoramento. Ele é obrigado a contratar um seguro de terceiros e responsabilidade civil e a partir daí ele passa a participar da associação como proprietário também".
A advogada conta que os próprios associados se autofiscalizam para evitar muitos gastos. Lembra que em função do aumento das associações, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) ingressou com processos administrativos contra entidades, aplicando multas impagáveis.
"Só para você ter uma ideia, nós temos associações filiadas à Fenacat que têm multas de R$ 350 milhões. Ou seja, isso é impagável".
Segundo Virginia, a partir desses autos de infração, começaram as ações judiciais movidas pela Susep. Diz que já há decisões favoráveis às entidades, afirmando que elas não praticam seguros. Como exemplo, a assessora jurídica da Fenacat faz uma comparação entre a cotação do seguro de um caminhão e o valor pago à uma associação.
"Um caminhão ano 2000/2001 tem de valor FIPE R$ 145.520,00. Se ele for contratar o seguro, e nós temos aqui a proposta da seguradora, ela cobraria anual, à vista, R$ 44.522,88 por um caminhão de 16 anos. Esse mesmo caminhão é associado de uma entidade em Santa Catarina e ele pagou no ano passado inteiro, mais o monitoramento, o rastreamento, o rateio e taxa administrativa o valor total de R$ 6.453,84".
Virgínia diz que se não fossem as associações muitos caminhoneiros teriam de mudar de profissão.
"Veja a situação das nossas estradas, o alto índice de roubos, o valor irrisório dos fretes. Os caminhoneiros são extorquidos, na maioria dos casos, pelos embarcadores. Os caminhões são feitos de extensão de depósitos dos grandes supermercados e ainda têm que sofrer essa perseguição dos corretores e da própria Susep".
O que dizem as associações
Nas últimas semanas, a Rádio Gaúcha buscou contato com as principais associações de caminhoneiros do país. A maioria evita dar entrevistas. Elas funcionam com regras próprias. Em algumas são aceitos só amigos, em outras, filhos ou parentes de associados que pagam mensalidade ou dividem os custos.
No litoral norte do Rio Grande do Sul, encontramos duas entidades, presididas pela mesma pessoa, no município de Três Cachoeiras. Valdemar Han Raup responde pela Aprocasj, Associação dos Proprietários de Caminhões São José, fundada há seis anos, que tem 360 sócios e 600 caminhões; e pela Associação dos Caminhoneiros de Três Cachoeiras, criada há um ano, com 180 sócios e 450 veículos pesados. O dirigente detalha como é feita a divisão da conta em caso sinistro.
“Hoje nós cobramos mensalidade para não fazer rateio. Média de R$ 300 a R$ 400 por mês. Se não tiver dinheiro em caixa, a gente faz financiamento de rateio. É uma ação entre amigos. Tem de ser apresentado por outro sócio para entrar”.
Valdemar afirma que as associações garantem a cobertura.
“Se ele estiver dentro do regulamento irá receber o caminhão por preço de mercado. Receberá 90% do valor Fipe”.
O empresário Ronaldo Michelon, 39 anos, tem oito caminhões e um posto de gasolina em Três Cachoeiras. Há quatro anos ele é sócio da Aprocasj e já usou o serviço seis vezes por causa de acidentes, o mais recente há semanas.
“Se eu não tivesse trabalho em associação teria falido. Se tivesse que pagar sozinho não teria condições. Eu divido o risco com os demais associados. Deu um valor x de conserto, é divido por cotas”.
Ronaldo não teme ficar descoberto devido às regras da associação baseadas na inclusão apenas de conhecidos.
Antenor Adão Paim, de 56 anos, é caminhoneiro há 31 anos. Tem cinco caminhões “cobertos” há cerca de sete anos pela Associação dos Caminhoneiros Sãomarquenses. Conta que já precisou recorrer à entidade e gostou do serviço.
“Já é a segunda vez. Fui bem atendido, arrumaram tudo certinho. Para mim foi tudo ok”.
Paim lembra como precisou na primeira vez.
“Um acidente foi comigo, em 2009. Estava chovendo bastante, aí achei um caminhão atravessado na Dutra (rodovia), em Queluz (SP). Quando eu vi, já estava em cima dele e bati no meio do caminhão”.
O caminhoneiro afirma que o custo do acidente foi de cerca de R$ 80 mil.
“Foi tudo com a associação. Paguei a franquia e o restante eles pagaram tudo. A associação aí de São Marcos”.
Segundo ele, a franquia depende do ano do caminhão. Menos de 10 anos, 3% do valor do caminhão. Mais de 10, entre 4% e 5%. Antenor Adão Paim considera fundamental a existência da associação.
“É muito importante. Se não fosse a associação, essa de São Marcos, e outras aí do Estado, estaríamos pagando bem mais no seguro de banco, com certeza”.
O caminhoneiro tem seguro contra terceiros com uma seguradora. Ele considera que a associação é fundamental para a categoria.
“Eu acho que ficaria complicado, porque hoje na situação dos caminhoneiros já está ruim, sabe. Por causa do óleo diesel, pedágio, o frete que não aumenta. Então, ficaria muito mais complicado se não tivesse a associação para ajudar os caminhoneiros”.
O presidente da Associação dos Caminhoneiros Sãomarquenses, Antônio Carlos Pelizari, relata que a entidade existe desde 2006. Nasceu com cerca de 150 associados.
“Objetivo de se proteger, porque o seguro é muito caro. Então a associação tem essa finalidade de ajudar os sócios. Ela não tem fins lucrativos. E a gente faz um tipo de rateio quando acontece um acidente, um roubo, uma queima. Em 90 dias, a gente recolhe dinheiro para pagar ele. A gente tem um ‘fundinho’ também”.
Atualmente, são 146 associados e 350 caminhões cobertos. A escolha dos associados começou somente com caminhoneiros de São Marcos e Campestre da Serra. Agora, para entrar de sócio, só sendo filho ou esposa de um dos sócios.
“Paga uma mensalidade por mês e depois se o caixa está bom a gente vai pagando menos. Quando dá um caso grande, a gente aumenta um pouquinho. Não tem um valor fixo, varia”.
O valor das cotas varia, segundo Antônio.
“Tem caminhão que paga mensal R$ 150, outro que paga R$ 200, uns pagam R$ 100, outros pagam R$ 300. É conforme o modelo e o ano do caminhão”.
São 360 caminhões cobertos pela associação. A média de sinistro tem sido grande.
“Nós tivemos nesse ano uma perda total, temos mais uns dois arrumando. A média é mais ou menos o que arrecadamos é o que gastamos”.
Conforme Antônio, a entidade trabalha com três oficinas e o menor orçamento.
“São tudo oficina boa. A gente fica fiscalizando. Por isso que funciona bem. E outra coisa que funciona é que deu um acidente hoje, amanhã nós estamos mexendo”.
Sobre a proibição por parte da Susep, o presidente da entidade argumenta.
“Existem associações piratas que a gente sabe. Nós temos diretoria, temos quatro conselhos. Uma diretoria de 15 pessoas. É tudo fiscalizado para ajudar mesmo o sócio. Nós soubemos que lá para o Nordeste tem associação que são para eles. Então isso atrapalha um pouco. ”
A respeito da denominação “seguro marginal”, defende.
“Aqui a gente não tem fins lucrativos. Aqui não temos pessoas que visam lucro. É para ajudar o grupo. É um grupo fechado que é para ajudar entre nós”.
Antônio admite que há duas investigações referentes à associação conduzidas pela Polícia Federal e Ministério Público Federal.
Próxima reportagem
Na próxima reportagem, confira o que dizem seguradoras, Superintendência de Seguros Privados, órgãos de defesa do consumidor e a Justiça sobre a chamada proteção veicular.