O próximo prefeito de Porto Alegre terá de enfrentar um problema recorrente nos últimos anos: obras iniciadas sem prazo certo para acabar.
Os sucessivos adiamentos das datas de entrega de melhorias viárias e urbanísticas prolongam os transtornos para a população e aumentam o custo dos projetos. Entre as razões que explicam a demora – em um fenômeno que atravessa diferentes gestões municipais –, está a falta de estudos e planejamentos adequados anteriormente às ordens de início para as construções e reformas. Os problemas começam antes das obras.
A difícil relação entre a cidade e a engenharia vem de longa data. Em fevereiro de 2003, por exemplo, a estagnação de uma série de projetos viários motivou uma comissão da Câmara de Vereadores a fazer vistorias em pontos como a Avenida Juca Batista e o futuro viaduto da Nilo Peçanha – que seria inaugurado com mais de dois anos de atraso em 2004. A obra da Nilo é uma amostra dos entraves que, ano após ano, freiam o desenvolvimento na Capital.
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A construção ficou cerca de 10 meses paralisada devido a alterações no projeto original. A prefeitura, sob gestão de João Verle (PT), alegou que um erro técnico ameaçava lançar os veículos para fora da pista, enquanto o engenheiro responsável sustentou que se tratava de uma desculpa para o município trocar o projeto por outro mais barato. O fato é que uma preparação mais cuidadosa antes de começar o serviço teria poupado a população de uma longa espera.
Esse tipo de falha técnica na etapa de preparação também explica atrasos em iniciativas recentes como as trincheiras da Anita Garibaldi – liberada para o tráfego no mês passado, inacabada, com mais de dois anos de atraso – e da Ceará, que segue em obras. Enquanto o trabalho de sondagem do solo na Anita não foi suficiente para detectar uma pedra no subsolo, na Ceará descobriu-se que o terreno era mais mole do que o previsto no projeto básico. Em ambos os casos, os planos tiveram de ser alterados. No processo de revitalização da orla, em andamento, um erro inviabilizou uma licitação ao deixar de fora dos anexos algumas pranchas técnicas necessárias ao cálculo dos orçamentos. Resultado: atraso.
– Temos muitas experiências que não foram bem mapeadas, envolvendo alterações no subsolo, rocha, relevo. Temos de melhorar o nível de detalhamento dos projetos. Muitas vezes, se licita a obra só com o projeto básico, mais simples, e não com o projeto executivo, mais detalhado – avalia o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea/RS), Melvis Barrios Junior.
Outros percalços que costumam afetar o ritmo das construções são pendências com desapropriações, falta de recursos ou atrasos nos repasses e dificuldades financeiras das empreiteiras contratadas para tocar os serviços. Vice-prefeito na atual gestão de José Fortunati (PDT) e candidato a prefeito, Sebastião Melo (PMDB) argumenta que a ação da prefeitura driblou transtornos ainda maiores:
– Evitamos maior demora ao ajustar projetos e nos prepararmos para questões judiciais e atrasos nos repasses do governo federal.
O peemedebista lembra que outras duas iniciativas deverão ficar prontas neste ano (trincheiras da Ceará e da Cristóvão Colombo), e se compromete a "aprimorar o modelo de planejamento" no município. Adversário na corrida pela prefeitura, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) pretende dedicar atenção à fase de elaboração das melhorias.
– Antes de tudo, precisaremos elaborar excelentes projetos com alta qualidade técnica – sustenta Marchezan, que também promete maior transparência na aplicação dos recursos.
Especialistas sugerem medidas para reduzir demora
Os candidatos à prefeitura receberam uma cartilha elaborada pela seção gaúcha do Project Management Institute (PMIRS), associação internacional sem fins lucrativos dedicada ao gerenciamento de projetos, com ideias para aprimorar a gestão pública.
O documento sugere medidas como a criação de um escritório especializado em gerenciamento de projetos, consolidação de modelo de gestão único e simplificado para essa área, redução da burocracia e a formalização da função de "gerente de projetos" com qualificação específica para coordenar e supervisionar o andamento das iniciativas municipais.
– No setor público, de maneira geral, falta integração entre todos os envolvidos em um projeto, principalmente quando envolve diferentes secretarias. Não tem um dono da coisa. Um faz uma parte, joga para o outro, falta um olhar do todo – analisa o presidente da PMIRS, Thiago Regal da Silva.
Silva sustenta que, quando um número elevado de obras enfrenta "imprevistos", pode ser indício de mau planejamento.
– Há coisas que são incertezas inerentes, mas tem coisas que se sabe de antemão. Se sabe que vai ter de desapropriar terrenos para fazer uma obra, isso não é um elemento de incerteza. É uma premissa do projeto – exemplifica o engenheiro.
Melvis Barrios Junior sugere, ainda, que qualquer obra tenha início somente com todo o montante de recursos garantido para evitar paralisações por falta de repasses.