Para o jornalista Ricardo Gandour, a oposição entre velha e nova mídia é um falso dilema. O que vemos é a coexistência entre formas tradicionais e contemporâneas de comunicação. Mas vivemos tempos de transformações, que exigem outras reflexões e práticas. É o que o consultor em mídias digitais no Grupo Estado pretende abordar em sua palestra no projeto Em Pauta ZH – Debates sobre Jornalismo, que terá o tema O futuro do jornalismo pós-redes sociais: como a fragmentação digital impacta o novo ambiente informativo em construção. O evento, com mediação da diretora de redação de Zero Hora, Marta Gleich, será nesta quarta-feira, para colaboradores do Grupo RBS e convidados. A participação de Gandour terá por base sua experiência como pesquisador visitante na Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Nesta entrevista, ele aborda o papel dos meios de comunicação em um ambiente no qual alguns leitores parecem perder de vista as importantes diferenças entre informação e opinião e entre notícia e boato.
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O senhor já declarou que o conflito entre a velha mídia e a nova mídia é um falso dilema. Por quê?
Porque as novidades, as novas tecnologias, as novas possibilidades surgem e se adicionam ao ambiente. Tudo o que já era existente e o que aparece de novo seguem em frente convivendo. Essa antagonização entre velha mídia e nova mídia, no meu entender, esvazia uma análise e um debate no sentido de se manter o método jornalístico. As novas coisas surgem para conviver, e não necessariamente em substituição total ao que existia. Elas complementam o ambiente. Então, o que levantei na minha pesquisa e que pretendo detalhar bastante no Em Pauta ZH, é que, nessa transformação do modo de consumir notícias que estamos tendo, o método jornalístico não pode desaparecer.
Os veículos profissionais de comunicação brasileiros estão sabendo aproveitar as oportunidades das mídias digitais?
Acho que estamos em um processo de construção. Ainda não construímos uma narrativa completa, aproveitando as potencialidades das mídias digitais. Ainda pensamos separadamente texto, arte, vídeo, redes sociais. Ainda pensamos muito em como enfeitar as matérias. Vejo espaço para uma integração maior, oferecendo ao nosso leitor, usuário uma experiência mais integrada, mais multissensorial. Sempre fazendo disso uma ferramenta a favor do jornalismo: a favor da precisão, da transparência, de um melhor entendimento do mundo. É para isso que o jornalismo serve.
No meio digital, como se dá o crescimento simultâneo de conceitos aparentemente opostos, como a consolidação de conglomerados jornalísticos e a fragmentação do conteúdo em diferentes meios e plataformas?
Ao mesmo tempo em que a fragmentação é um fenômeno da transformação digital, a consolidação é o resultado de um processo econômico, em que as empresas jornalísticas estão perdendo escala. As pesquisas mostram que há uma tendência a ter os dois polos opostos: ou ter publicações de nicho, especializadas em assuntos, ou grandes conglomerados multiplataforma. Haveria pouco espaço econômico para a empresa média.
Qual o papel dos jornais e outros veículos de informação em uma realidade na qual boatos e rumores circulam tanto quanto notícias, e às vezes circulam mais?
O papel sempre foi de curadoria. O fato é que esse papel ficou dificultado hoje pela avalanche de coisas que as redes sociais distribuem. Os grandes veículos de comunicação perderam o poder que tinham de distribuição. Hoje, a distribuição está sendo dominada pelas redes sociais. São as redes que distribuem a informação, de forma seletiva, com impacto dos algoritmos. Esse é o grande desafio dos veículos de se manter na seleção e na curadoria. E isso vem acontecendo. Em trazer para o leitor, para o usuário a perspectiva de separar o que é informação checada e embasada do que é rumor e opinião sem embasamento.
Alguns leitores não diferenciam notícia e opinião ou não diferenciam notícia e boato. Precisamos de uma reeducação como leitores?
Sempre precisamos ser bem formados para ler e interpretar notícias. Mas essa habilidade se torna ainda mais fundamental agora. Vejo muitos problemas aí. Vejo a necessidade talvez de, no Ensino Médio e certamente nas faculdades, você ter uma disciplina optativa para ajudar as pessoas a entender o universo midiático. Com certeza, estamos tendo uma grande confusão, e muitas gerações podem estar crescendo com uma confusão básica entre informação e opinião, ou seja, não saber distinguir um texto opinativo de um texto informativo. É uma habilidade intelectual.
Qual o papel das políticas públicas e da legislação em um meio digital cuja distribuição de informação está centrada em gigantes como Google e Facebook? Como lidar com estas espécies de monopólios?
Esse é um assunto muito quente, está em aberto no momento. Não há nenhum encaminhamento concreto nesse sentido. Nos EUA, começa uma discussão sobre a predominância do Facebook especificamente como plataforma de distribuição. É difícil fazer alguma afirmação de regulação sem ferir, ou seja, tomando cuidado para não ferir nosso espírito liberal e de liberdade de imprensa, liberdade de expressão. É matéria a ser melhor estudada. Confesso que não tenho uma opinião formada nesse momento. É difícil reivindicar regulação, não faria isso. Mas é preciso estudar. Eu mesmo estou ligado a um grupo de pesquisa em Columbia (Universidade Columbia, nos Estados Unidos) que acabou de ser implantado, chamado Plataformas e Publishers. É um grupo da Escola de Jornalismo de Columbia ao qual fiquei ligado. Vou para lá agora em outubro participar de reuniões. Tenho o compromisso de ir lá a cada três meses e colaboro do Brasil. Esse grupo está exatamente estudando a sua pergunta. Então, espero ter novidades para você aí pela frente.