Para se manter relevante, o jornalismo não pode abrir mão do que tem de mais caro: o método. Em um ecossistema no qual informação e boato são distribuídos indistintamente, como nas redes sociais, o que seguirá diferenciando os veículos de comunicação profissionais são conteúdos baseados em apuração, entrevista, checagem e muita "sola de sapato", ou seja, reportagem.
Essa foi uma das principais reflexões da palestra de Ricardo Gandour, consultor em mídias digitais do Grupo Estado e professor da ESPM, no Em Pauta ZH – Debates sobre Jornalismo. No próximo dia 3 de outubro, Gandour assume a direção executiva da Rádio CBN.
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Com mediação da diretora de redação de Zero Hora, Marta Gleich, o evento foi realizado na noite desta quarta-feira para uma plateia de colaboradores do Grupo RBS e convidados, entre eles professores e alunos de jornalismo.Partindo de sua experiência como pesquisador visitante na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, Gandour iniciou sua palestra conclamando os jornalistas brasileiros a valorizarem – para além da prática – a "sistematização acadêmica" do conhecimento, assim como fazem profissionais de outras áreas.
Para o palestrante, há uma mudança em andamento em direção a um novo ecossistema informativo. A palavra-chave nesse processo é a fragmentação. Trocando em miúdos, a fragmentação pode ser verificada em três frentes. Em primeiro lugar, há um enfraquecimento de notícias produzidas de forma profissional, ou seja, as notícias se misturam com rumores, fofocas e opiniões não checadas.
Em outra frente, há uma diluição na distinção entre informação e opinião. Uma geração de leitores pode estar sendo formada com dificuldade em separar uma da outra. Por fim, conteúdos com diferentes qualidades são distribuídos, sob a mesma aparência, nas redes sociais. Mas há uma boa notícia para o jornalismo, segundo Gandour:
– Todo esse ambiente novo ainda é abastecido predominantemente pelas notícias profissionais, pelas redações tradicionais. O que a rede faz majoritariamente é replicar, reempacotar, repercutir e misturar. Mas a grande maioria, em volume, das informações que circulam são baseadas nas redações profissionais.
O novo cenário não chega sem desafios para os veículos de comunicação. Levantamento realizado por Gandour com 60 editores-chefes de jornais brasileiros que correspondem a 80% da circulação de jornais no Brasil apontou que 83% das redações reduziram o número de jornalistas e 78% diminuíram o número de páginas de suas edições impressas. A editoria de Política foi a mais poupada.
Analisando a crescente atividade digital de governos estaduais de 2013 a 2016, o palestrante alertou para o risco de a sociedade ficar menos exposta a informações de comunidades jornalísticas e mais exposta a manifestações "chapa branca" ou "oficiais". Gandour, no entanto, se diz otimista. Segundo ele, uma ferramenta não tem o poder de mudar valores de uma sociedade. Para combater a fragmentação, pontua ele, é preciso resgatar o "jornalismo integral":
– O que a rede faz é saciar, ao longo do dia, a fome das pessoas com biscoito de farinha branca. E nós produzimos alimento integral, nutrição.
Para combinar qualidade de conteúdo e apelo de leitura, o jornalismo deve apostar em narrativas integradas, nas quais texto, imagem, vídeo e áudio não sejam simplesmente sobrepostos, mas constituam uma experiência envolvente e harmônica para o leitor. Isso exigirá das redações grande investimento em tecnologia.
O palestrante não acredita que o jornal impresso desaparecerá, mas se tornará um dos diferentes itens oferecidos pelas empresas de comunicação, ao lado de conteúdos em plataformas digitais. Como exemplo disso, citou o caso do site americano Politico, que nasceu no ambiente digital e depois lançou um jornal impresso e uma revista.
Depoimentos
Andiara Petterle, vice-presidente de Jornais e Mídias Digitais do Grupo RBS
"Com as novas mídias, com o digital como um todo, conseguimos ter um tipo de produção totalmente multimídia. Conseguimos produzir texto, imagem e vídeo e chegar com um tipo de conteúdo muito mais rico do que conseguíamos no passado."
Marta Gleich, diretora de redação de Zero Hora
"O jornalismo profissional justamente separa o que é boato do que é notícia verdadeira. O jornalismo profissional tem um método de trabalho que tem apuração com fontes, checagem dos dados. O papel do jornalista é entregar ao público aquela notícia que é verdadeira e denunciar quando a coisa é apenas um boato."
Henrique Kanitz, 22 anos, estudante de Jornalismo da Unisinos
"É muito importante para a gente que está estudando conhecer um pouco da experiência de quem já faz jornalismo. O jornalismo tem uma importância muito grande na sociedade. Saber como as pessoas mais experientes fazem nos estimula a fazer um bom jornalismo."
*Zero Hora